O novo Papa (2)
Penso que o poder de João Paulo II era mais simbólico que real, nos últimos anos. O seu conservadorismo só era seguido por poucos “fiéis”, quando a maioria ansiava por uma transição para a “modernidade” em breve. O conservadorismo em relação à moral sexual foi largamente ignorado. As posições pacifistas serviam para todas as leituras. A extrema-esquerda via um aliado contra os americanos e Rumsfeld, em entrevista, mostrava total acordo com o Papa simplesmente com a argumentação de que a intervenção no Iraque visava a obtenção da paz.
Numa análise simplista, João Paulo II parece ter agido em direcções contrárias. Mostrou abertura a outras religiões, pediu desculpa pelos erros da igreja, reconheceu o trabalho científico. Mas depois há a parte do conservadorismo que parece que estragou a pintura. A determinada altura, o politicamente correcto passou a exigir uma igreja católica que fosse liberal em termos de costumes. Muitos alertaram para o risco de se perderem fieis porque as pessoas não iriam aguentar os sacrifícios pedidos.
Mas vamos supor que assim acontecia. O catolicismo já é essencialmente uma religião de “não-praticantes”. Ao católico não é exigido quase nada. O catolicismo faz vista grossa aos cultos pagãos, como a devoção aos santos e o culto mariano. O Vaticano encontra-se longe dos padres que contactam com as pessoas, longe da realidade. E longe de tocar o coração do comum dos mortais. Torna-se quase impossível transmitir uma mensagem mais profunda, autenticamente religiosa.
Se o Vaticano cedesse no seu conservadorismo, o que restaria? Qual seria a diferença entre um católico e qualquer outra pessoa? O conservadorismo da igreja católica dá a certeza, mesmo que inconscientemente, que é um “lugar” onde ainda existem valores. A lassidão de costumes que se pede é uma ilusão. Hoje em dia só é cristão quem quer. Seria um erro tremendo o catolicismo colocar-se numa prateleira de um centro comercial, adaptando constantemente o seu marketing consoante as tendências de mercado. É algo que a igreja não sabe fazer e seria a sua morte.
Pode parecer estranho, mas o catolicismo tem muito mais a ganhar se pedir sacrifícios, dor e privações. O grande desafio é fazer com que estas coisas não sejam um fim em si mas parte do caminho para algo mais elevado
(Cont.)
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