segunda-feira, março 28, 2005

Um mundo em mudança (5)


O FIM DO PAPEL

Lembro-me de há uns anos atrás se começar a falar por cá que o papel iria deixar de se utilizar. A culpa era dos computadores, mas isto não convenceu muitos. Alguns referiam pretensos estudos mostrando que, desde que se tinham começado a utilizar computadores, ainda se gastava mais papel. Essas interpretações parecem ter esquecido duas coisas. Uma é que o maior consumo de papel pode dever-se ao nosso crescimento e não consequência da utilização de computadores. Outra, que os computadores ainda estavam longe de ser utilizado em todas as suas potencialidades e ainda demoraria algum tempo até se criarem hábitos que simplificariam as coisas e, logo, tornariam o papel obsoleto em muitas utilizações.

Com algum humor, a previsão de todos os livros passarem a ser virtuais era rebatida por uma foto irónica que colocava um indivíduo sentado na sanita com o computador ao colo. Não era um portátil, porque se o fosse, colocaria logo a dúvida, mais ainda se fosse um PDA, ainda mais pequeno que quase todos os livros. Ainda não temos um substituto à altura dos livros de papel, mas não faltará muito. Aquilo que nos podem parecer vantagens, como ter uma extensa biblioteca para mostrar aos amigos ou poder ter os livros na mão, sentir o seu toque e o seu cheiro, serão coisas que não dirão nada a futuras gerações. As emoções que os livros nos dão, no seu contacto físico com eles, foram moldadas por incontáveis experiências que tivemos desde a infância, em que descobríamos o mundo e a nós mesmos. É uma ilusão pensar que dar um livro de papel a alguém que nunca teve as mesmas vivências pode causar as mesmas reacções. Tal como nós não podemos saber qual a emoção de ter um livro proibido numa altura em que a pena por ter um era pesada. E não ter uma biblioteca vistosa a mostrar só poderá ser considerado uma vantagem em termos de espaço e mesmo ecológicos.

Trabalhar com papel também já se está a tornar anacrónico. A facilidade de armazenamento, corrigir erros ortográficos, fazer modificações é incomparável. Indicações temporárias, que precisamos durante um ou dois minutos podem ser feitas no notepad. Trabalhar no outlook, utilizando mail e agenda ao mesmo tempo, permite substituir várias formas de comunicação e organização. Marcar encontros, organizar o nosso próprio trabalho, com alertas, apresenta vantagens inegáveis. Quase todos os documentos podem ser armazenados em forma digital, quer por já serem assim concebidos de raiz, quer por serem digitalizados. A excepção são ainda documentos sobre contratos e outras matérias que podem pedir intervenção legal. Mas é sobretudo um caso de inércia estrutural, uma vez que é relativamente simples criar um sistema de autenticação dos documentos, que sejam ainda mais válido que ter o próprio documento em papel.

Mais arriscado será dizer que o papel e outros suportes físicos serão banidos das próprias artes. São centenas de anos de técnicas adquiridas, de uma respeitabilidade conseguida. Mas por acaso podemos pensar que alguns dos maiores pintores da história iriam renunciar a ferramentas informáticas para exercer a sua criatividade se as tivessem à disposição? Esperemos até ter monitores com uma maior definição e contraste para percebermos muitas das limitações do papel.

O futuro não será do papel e veremos a sua extinção com algo natural. Mesmo que nos confranja ver que, por já só escrevermos no computador, a nossa letra volta a ser infantil e desajeitada.

(Cont.)