Um mundo em mudança (6)
CARISMA
O Papa que agora nos deixou, e está mais presente que nunca, paradoxalmente, é um exemplo de carisma. Contudo, “devemos” também olhar para os fenómenos que agora acontecem como derradeiros da sua espécie. Presumo que seja impossível, daqui a 10, 15 anos, fazer crer às novas gerações que milhões de pessoas afluíram a Roma para despedir-se do Papa.
Convém recuar um pouco e estabelecer bem as bases sobre as quais assenta esta previsão. Carisma é um conceito religioso que fala de uma graça concedida por Deus. O termo foi popularizado por Weber, que o utilizou para interpretar as relações de poder. Os homens carismáticos facilitam as relações do poder, na medida em que os comandados aceitam voluntariamente as indicações daqueles que reconhecem como líder. Os teóricos afirmam que o carisma conduz à popularidade e não o inverso. Contudo, o futuro mostrará que será difícil encontrar pessoas carismáticas.
A minha previsão assenta na maior liberdade que as pessoas têm e terão cada vez mais. Um líder carismático necessita de ter sob sua alçada um grupo de pessoas que partilhem dos mesmos valores e desígnios. Contudo, a tendência que se verifica é a de cada pessoa ter os seus próprios valores, objectivos e metas a alcançar. Torna-se quase impossível, neste contexto, alguém conseguir falar uma linguagem que seja universal.
Essa tendência já está a ocorrer. Constato-a em vários exemplos, de pessoas que conseguiam há uns anos atrair uma vasta gama de admiradores, mas agora parecem não ter o mesmo poder de atracção. Poderá parecer que se tratam casos de perda de capacidades, contudo, em alguns casos vê-se que é precisamente o contrário. Só que as pessoas hoje em dia não têm a mesma necessidade de orientação, não reconhecem a autoridade com facilidade. São mais arrogantes, mais seguras, procuram mais, abrem mão com mais facilidade.
Olhando para aquilo que fizeram certos líderes carismáticos (muitos deles ditadores), dificilmente podemos defender que o desaparecimento do carisma é negativo. Facilitava as coisas, tornando-as mais estáveis mas também potencialmente mais perigosas. Perdemos em estabilidade, ganhamos no potencial de cada um poder progredir mais por si mesmo.
(Cont.)
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