Um mundo em mudança (8)
HIPOCRISIA E ARROGÂNCIA
Digo a uma jovem, pela internet, que a hipocrisia hoje é menor que antigamente. Apercebo-me da dificuldade de conseguir passar esta ideia. É difícil explicar uma mudança quando outra se lhe opõe. Lembro-me das pessoas mais honestas que não tinham medo de dizer o que pensavam, muitas vezes com humor, e que eram raras há uns anos atrás. Esperava-se pelo virar de costas para fazer um pouco de má língua.
Nos últimos anos tenho sentido um aumento na frontalidade dos portugueses. Daí achar que estamos menos hipócritas. Era essa uma das críticas sociais mais frequentes, a da hipocrisia, que agora começa a ser rara em comparação. Mas o reverso da medalha é que a diminuição da hipocrisia conduziu ao aumento da arrogância. Há quem goste de trabalhar com arrogantes, porque dizem ser pessoas que não querem ver o seu trabalho mal visto e por isso darão tudo por tudo.
Estas mudanças parecem-me ser uma questão de tempero, um novo equilíbrio fruto da maior liberdade disponível. O que me deixa um pouco desconcertado, apesar de não constituir grande surpresa, é essa liberdade ser usada precisamente para se ser ainda menos livre, tantas vezes. Talvez isso parta de uma ilusão tantas vezes propagandeada, de que a liberdade se afirma tomando partindo, aderindo a causas, tendo opinião. Claro que a liberdade deve permitir estas coisas, mas elas acabam por ser com frequência instrumentos com que os demagogos alinham os seus peões.
Acho que o ponto crítico é quando se toma posição antes de nos inteirarmos sobre o assunto. Muitos o fazem por serem limitados intelectualmente, e não terem possibilidade de perceber o que se trata. Mas a nossa intelectualidade mostrou-nos que também começa a casa pelo telhado, toma posição e depois elabora argumentos mirabolantes para a sustentar. Não consigo explicar esta tendência humana de defender as suas ideias de forma mais aguerrida do que se fosse a defesa dos filhos. Sempre achei que as ideias eram apenas uma forma de ir desvendando a verdade, e não um fim em si. Contudo, este mundo em mudança mostrou-me que andei a ser lírico, que nada disto faz muito sentido para a esmagadora maioria.
Por isso, tornou-se inconsequente debater o que quer que seja, a não ser que estejamos em presença de pessoas que aceitem as “regras do jogo”. Que se deve partir de factos ou premissas sólidas, desenvolvendo raciocínios lógicos a partir desta matéria base sem ceder às bem conhecidas falácias. Esta metodologia viu-se relegada apenas para algumas especialidade académicas (nem todas...) e no mundo real deixou de ter sentido. Quando apresentamos matéria de facto, dizem-nos que isso não passa da nossa opinião, quando raciocinamos com lógica, trazem argumentos emocionais ou que tenham peso na conjuntura do momento, mesmo que sejam reconhecidas mentiras.
Posso parecer negativo neste aspecto. Isso advém de ser cada vez mais raro encontrar pessoas sinceras, que saibam abrir mão, que saibam escutar.
(Cont.)
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