Sem paciência
Há quem ache que o «novo-riquismo» se vê pela ostentação de bens materiais. Pelo contrário, penso que a sua principal marca é a falta de paciência. Os portugueses já não têm paciência e penso que isso é uma consequência do acumular de riqueza sem ser pelos méritos próprios. Claro que Portugal não é um país rico, mas teve uma progressão assinalável nesse sentido, em especial com a entrada na Comunidade Europeia. Há dois aspectos em particular que, apesar de positivos, ajudaram a criar uma ilusão ainda maior de facilidade e riqueza. Falo do aderir à moeda única, o euro, e da globalização. Para entrar na zona Euro, Portugal teve de passar a seguir algumas políticas económicas que lhe vieram trazer estabilidade. Uma consequência indirecta disso foi a expansão do crédito, que já antes tinha sido impulsionado pela entrada na UE e a transferência de fundos. Já a globalização, normalmente vista como o papão que nos vem tirar todos os postos de trabalho, tem como consequência imediata a disponibilização de uma grande variedade de bens e serviços a preços convidativos.
Ou seja, em poucas décadas Portugal passou de um país pobre e fechado para um onde quase tudo se encontra disponível e o crédito para obter o que se quer é relativamente fácil de alcançar. Os méritos dos portugueses nisto são relativamente reduzidos. Os portugueses continuam a ser pouco produtivos, para não dizer pouco profissionais, continuamos a não arriscar muito, as políticas públicas continuam sem ir às reformas de fundo. Estamos como a criança que rasga o embrulho de Natal e nem sequer vai ver o conteúdo porque já pegou noutro presente. É nesse sentido que digo que já não temos paciência. Não é a falta de paciência de alguém que dá um murro na mesa porque já não tem tempo a perder.
A nossa falta de paciência deriva da ausência de objectivos. Substituímos os objectivos por uma sucessão ininterrupta de desejos mais ou menos fúteis. Claro que um objectivo pode derivar de um grande desejo. Mas um objectivo é a meta de um plano de longo prazo que implica esforço, dedicação e paciência. Quando há uma miríade de desejos fáceis de atingir, todos os projectos mais ambiciosos ficam postos de parte. Pode-se argumentar que as sociedades evoluem e por vezes algumas virtudes, como a paciência e o espírito de sacrifício, deixam de ser úteis. Sofrem todas as actividades que não dêem recompensas imediatas, nas quais se podem incluir todas as artes. Existe uma crise em quase os sectores que exigem uma aprendizagem de alguns anos, muitas vezes sem resultados à vista. Sofrem implacavelmente com a concorrência de outras actividades de “consumo rápido”.
Ao longo dos séculos a humanidade viu morrer inúmeras tradições, costumes, ofícios. Foram sendo substituídos por outros de forma mais ou menos natural, em regimes totalitários muitas vezes de forma violenta. Uma certa nostalgia do passado leva a não ver algumas vantagens que um futuro diferente pode trazer. Contudo, parece-me que o grau de evolução da humanidade está ainda muito longe de dispensar virtudes como a paciência, o esforço e o espírito de sacrifício, se é que alguma vez poderá sobreviver sem elas. Pior que isso, os portugueses perderam estas virtudes na altura em que vão precisar mais delas. O crédito permite obter produtos no imediato mas implica que depois se saldem as dívidas, por vezes durante décadas. Mas o mais grave de tudo será a escravidão a que estamos a condenar as próximas gerações. Por um lado, os jovens são educados para fugir ao esforço, às dificuldades. Mas ao mesmo tempo já terão de suportar os encargos das pensões dos mais velhos, das obras públicas megalómanas, dos défices constantes. A paciência voltará a ser uma característica dos portugueses, infelizmente como uma consequência da resignação ao estado de indigência.
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