segunda-feira, abril 30, 2007

Religião e civilização (1)

CULTURA

Em termos latos define-se cultura como toda a produção que deriva da inteligência humana, desde simples artefactos até sistemas morais e filosóficos, passando pela arte e pela ciência. A identidade cultural é algo que tem uma vertente estritamente pessoal, mas que só tem sentido se existir uma partilha de grupo. Em ambos os casos, dizem-nos os sociólogos, tal fruição só é possível devido à existência de símbolos que criam «redes de significância» e tornam a cultura reproduzível e reconhecível. De certa forma, os viajantes acreditam, mesmo que inconscientemente, na universalidade destes princípios. Por mais distante e exótica que seja a cultura com que se defrontam, confiam que a apreensão de alguns dos símbolos indígenas os faça ganhar novamente o pé. Mesmo antes de saber algo sobre o novo local, a simples observação vai confirmando, aos poucos, uma coerência e um conjunto de normas e valores que constituem o sustentáculo. Por isso, os viajantes esperam encontrar as instituições que servem de guardiães a essas normas e valores, por vezes de forma ingénua tentando traçar paralelos com os exemplos da sua aculturação original.

As culturas estimulam reacções contrárias em relação à mudança, pois tanto a estimulam como a repudiam. A mudança é inevitável quando o ambiente natural sofre alterações drásticas, mas tirando isso ocorrerá motivada pelas forças em acção no interior de uma sociedade ou pela interacção entre culturas. T.S. Eliot escreveu há quase 60 anos um livro (Notes Towards a Definition of Culture) que tenta esclarecer alguns destes pontos. Para Eliot, para uma cultura florescer, os homens nem deviam estar demasiado unidos nem demasiado separados. Por isso advogava que a manutenção de classes sociais era mais importante para a transmissão da cultura que as pretensões igualitaristas. Não defendia, contudo, a manutenção de classes sociais rígidas, castas imutáveis que, de certa forma, é a única concepção de classe social admitida pelos marxistas. Defendia até que, mais fundamental que o interesse de cada classe era a própria cultura da sociedade.

Os desequilíbrios aqui implícitos são importantes para geral um certo nível de fricção. A cultura de uma nação beneficiaria se fosse constituída por várias culturas que, partilhando um conjunto comum de valores, se estimulavam mutuamente. Apesar de defender a importância das elites, Eliot opunha-se a classificar cultura apenas como erudição e educação formal. O desenvolvimento cultural deveria ser sempre orgânico e natural, não sendo possível guiá-lo de forma consciente nem planeada. A utilidade de cada uma das produções culturais devia ser avaliada por cada um dos intervenientes e não apenas por uma autoridade central supostamente omnisciente

Mais difícil do que discernir e classificar a cultura presente é identificar a sua génese. Eliot acreditava que nenhuma cultura poderia aparecer e desenvolver-se sem estar relacionada com uma religião. Confessava que não conseguia perceber todas as implicações aqui envolvidas, mas não tinha dúvidas que a manutenção da cultura só era possível através da manutenção da religião e, por isso, considerava que o secularismo e cosmopolitismo estavam condenados.

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terça-feira, abril 24, 2007

Fragmentos do Japão

Os japoneses chamam-lhe Fuji-san, que quer dizer monte Fuji e não senhor Fuji. Ver o monte Fuji pela primeira vez ao vivo provoca sempre alguma surpresa. Com mais de 3700 metros e sem mais nenhuma montanha por perto que lhe faça frente, avista-se a várias dezenas de quilómetros dos mais diversos locais em dias limpos. Para alguns monte sagrado, foi também fonte inesgotável para artistas e, na sua base, local de treino para os temíveis samurais.

Monte Fuji ou Fuji-san, como dizem os japoneses.




As portas Torii encontram-se um pouco por toda a parte no Japão, tanto no meio das cidades como em locais isolados no campo. Marcam a entrada dos santuários xintoístas e, actualmente, são construídas não só em madeira mas também em metal e betão, podendo ainda ter várias cores, normalmente o vermelho mas também a cor do material de que é feito. O xintoísmo é uma religião largamente animista e das poucas coisas realmente indígenas no Japão. De certa forma é um mistério a forma como o xintoísmo interagiu e deixou ser-se influenciado pelo budismo, ao ponto de quase todos os japoneses serem praticantes de ambas as religiões.

Porta Torii do santuário xintoísta de Katori Jingû.



Santuário xintoísta de Katori Jingû.



O respeito pela Natureza advém naturalmente da prática xintoista, aqui demonstrado próximo da entrada do santuário de Kashima.




As bicicletas são um dos meios de transporte mais utilizados pelos japoneses, havendo parques de estacionamento só para elas. A área metropolitana de Tóquio é habitada por mais de 30 milhões de pessoas, que utilizam o comboio e o metro como principais meios de deslocação, complementados pelas bicicletas de custo reduzido para percursos mais curtos. Apesar de ser uma cidade com alta densidade urbana, Tóquio preserva no seu interior jardins imensos que cobrem uma parte significativa da zona central.



Parque para bicicletas num centro comercial em Kawasaki.



Harajuku, umas zonas de Tóquio mais frequentadas por jovens no fim de semana.



Ao lado da estação de Harajuku fica o jardim de Meiji, com 175 hectares.

Apenas durante algumas semanas do ano se podem ver as cerejeiras em flor. Em certos locais, como no castelo de Odawara, encontram-se idosos sentados desenhando estas paisagens, que eles não poderão ver muito mais vezes.

Entrada do recinto do castelo de Odawara.



Castelo de Odawara.



Mais uma vista de Odawara.



Cerejeiras em flor perto do santuário de Katori Jingû.



O Kyudô é considerada uma das artes mais puras do Japão. O arco longo, com mais de 2 m de comprimento e assimétrico, revela através do tiro todas as instabilidades físicas e mentais do arqueiro. No Japão é praticado em larga escala, sobretudo por universitários, apesar de não ter propriamente um limite máximo de idade, não sendo difícil de encontrar pessoas com mais de 90 anos que ainda atiram regularmente. O Kyudo foi dado a conhecer ao ocidente por Herrigel no seu livro “Zen e a Arte do Tiro com Arco” (pela Assírio & Alvim). Ao longo de décadas o livro foi lido por milhões de ocidentais, contudo o Kyudo foi uma arte que nunca se expandiu fortemente para fora do Japão, onde não chegarão a existir cerca de 3 mil praticantes na Europa e Estados Unidos. Talvez por isso alguns dos enganos do livro ainda permanecerão durante muito tempo.

Dôjô de Kyudô em Kamakura, orientado por Maky Kudo, Kyoshi.




Tiro de cerimónia, pelo mestre Nobuyuki Kamogawa, Hanshi 10º Dan. Cerimónia no Budokan de Tóquio em 13 de Abril de 2007. O silêncio era tal que se ouvia o sistema de ar condicionado a funcionar.




Princesa Takamadonomiya Hisako discursando no Taikai comemorativo da fundação da Fedaração Internacional de Kyudo, em 13 de Abril de 2007. A princesa é patrona desta arte e representa a ligação à casa imperial.




Demonstração de tiro de guerra - "Koshiya Kumi Yumi".

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terça-feira, abril 17, 2007

Indícios do suicídio civilizacional (X)

O MAL

A maior parte das religiões têm duas vertentes. Uma exterior, voltada para as celebrações, que ajudou a estabelecer os ritmos das sociedades e ritualizou os momentos fundamentais (nascimento, iniciação, casamento e morte). Opto ainda por colocar na vertente exterior os actos que pedem a protecção divina. Depois, existe a parte interior da religiosidade, onde é necessário ir para além da mera crença e do cumprimento das regras. Aqui o indivíduo tem de aprende a «escutar-se a si mesmo» e a crença, a existir, já não é em algo facilmente catalogável, será num Deus que se define por aquilo que «não é» ou pela nossa natureza pura e original a que não temos acesso directo até nos realizarmos. Entra-se no reino dos mistérios e da entrega sem saber o que nos espera e, de preferência, sem nada esperar.

Tornou-se politicamente correcto dizer que a prática interior das religiões não é, na verdade, religião mas filosofia de vida. E para o comprovar há relatos de acontecimentos em que os mestres ousavam quebrar regras e, até mesmo, ter um comportamento anti-social. Enquanto a parte exterior da religião dedica-se à distinção simplista entre bem e mal, a parte interna está para além do bem e do mal. É evidente que isto torna-se apelativo para aqueles que, procurando uma dimensão mais profunda para as suas existências, não abdicam de uma liberdade irresponsável. Acham mesmo que a entrada nos níveis mais profundos da espiritualidade só é possível renegando a religiosidade exterior. Confundem, portanto, repúdio com transcendência.

Esta espiritualidade “Paulo Coelho” tem dois problemas. O primeiro, óbvio, é a selecção apenas dos trechos mais fáceis de compreender e de colocar em prática, ficando de forma os assuntos mais complexos e penosos de executar. Outro problema é a remoção do contexto, onde não se percebe que certas atitudes insólitas foram estratagemas pontuais para atingir determinados fins e não a regra. O contexto que se deve assumir é o da religiosidade exterior, este é o pressuposto. A parte mais profunda da religiosidade só é possível construir com base na religiosidade exterior. Esta base não necessita ser uma religiosidade explícita mas, pelo menos, um conjunto de valores essenciais, entre os quais o bem e o mal.

As referências ao mal causam aversão a muitas pessoas, e com alguma justificação. Parte da destruição da Igreja Católica ocorreu por dentro, pelos padres que durante gerações que não souberam fazer uma hierarquia dos vários níveis de mal e se dedicaram a vociferar contra a sexualidade e outros costumes, sem mostrarem qualquer compaixão. Ora, isto não só provocou fortes anti-corpos na sociedade como é uma adulteração do próprio cristianismo. O problema é que esta rejeição, compreensível, levou a rejeitar qualquer noção de mal, criando um terreno fértil para o relativismo absoluto.

O próprio «mal» tornou-se confuso, por vezes tomado como uma essência maléfica pronta a encarnar nas pessoas, que se adapta a produções cinematográficas. Ora, o «mal» mais não é que uma atitude que nos coloca fora de harmonia com o que nos rodeia e com nós mesmos. As religiões dão-nos pistas para isso mas, em última análise, é preciso recorrer à consciência pessoal porque é impossível saber até que ponto os sacerdotes estão ou não corrompidos. Mas renegar ao conceito de «mal» é negar a própria consciência pessoal.

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terça-feira, abril 03, 2007

Aviso

Para os eventuais leitores deste blog que estejam atentos à sua periodicidade semanal, comunico que é provável que nas próximas duas semanas não existam actualizações por motivos de visita ao país do sol nascente.

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