quarta-feira, junho 27, 2007

Civilização e religião (9)

A FORMAÇÃO DO OCIDENTE (2)

A maior parte dos académicos desvaloriza o papel da religião na formação das sociedades ou atribui-lhes um papel genérico, num sentido ou noutro. Dawson, pelo contrário, considera que a influência que o cristianismo imprimiu na civilização ocidental não teve paralelo. A flexibilidade, o dinamismo, o desejo de renovação e de encontrar novas formas de organização social que se encontram no ocidente são uma marca derivada do cristianismo. O primeiro sinal foi dado pela destrinça entre o que é de César e o que é de Deus, mas a formulação política ficou mais explícita nas Duas Cidades de Santo Agostinho. A ideia é colocar a cristandade simultaneamente neste e no outro mundo. O interesse genuíno por este mundo, com um desejo contínuo de o melhorar à luz de uma amor superior – É desta forma que se consuma a ligação a Deus e à sagrada Trindade.

Outras grandes civilizações inspiradas por religiões diferentes, como o confucionismo, o hinduísmo ou o islamismo, tenderam a idealizar um modelo de perfeição imutável, que desvalorizava a passagem do tempo. Não é de estranhar que encontremos nestas civilizações formatações sociais que pouco se alteraram durante séculos. A história do ocidente é contada, em contraste, por uma série de renascimentos. Mas é precisamente à Renascença que associamos a emancipação da religião, não percebendo que foi um movimento criado por homens moldados por um milénio de cristianismo. O à vontade com que os grandes vultos do renascimento se moviam no mundo temporal faz esquecer a sua enorme espiritualidade.
A expansão europeia para outros continentes é explicada de forma simplista como mera agressão imperialista e exploração económica. Dawson aponta a falta de novidade nestes factores. Ao longo da história existiram inúmeras investidas imperialistas onde não faltou agressão e exploração, mas não tiveram de todo o mesmo resultado da expansão europeia. Este autor aponta outro factor, para além destes negativos, que se tornou determinante: o carácter missionário ocidental. Este missionarismo já tinha ocorrido, primeiro em direcção às ilhas britânicas e, destas, em direcção aos povos bárbaros dos terrenos que hoje são a Alemanha e a Holanda. Vivemos numa época em que a mentalidade dominante no ocidente prefere sempre olhar para o lado negro do seu passado, esquecendo as realizações positivas. Preferimos ver os nossos antepassados como esclavagistas e não como os que puseram fim à escravidão, que foi comum em tantas sociedades que ainda hoje admiramos.
MC

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terça-feira, junho 19, 2007

Civilização e religião (8)

A FORMAÇÃO DO OCIDENTE (1)

Talvez ninguém tenha se empenhado tanto como Christopher Dawson em mostrar a importância da religião na formação do ocidente. O historiador e sociólogo não hesitou em considerar a religião como a chave para a compreensão da História. O forte anti-clericalismo dos meios académicos trouxe-lhe o inevitável esquecimento, passando décadas sem as suas obras serem editadas e muitos licenciados nestas áreas nunca tomaram conhecimento dos seus livros. Todo o esforço é reduzido para recordar algumas das ideias de uma figura que se empenhou na luta contra o espírito positivista e niilista na nossa era. Os próximos posts farão uma mescla do conteúdo do site http://geocities.com/dawsonchd/.
A maior parte dos académicos, intoxicados de marxismo e psicanálise, tem uma visão simplista da religião, como mero produto de forças materiais e psíquicas. Dawson, pelo contrário, insiste na necessidade de ver a religião como essencial na formação e transformações de uma cultura. Os primeiros trabalhos criativos de qualquer cultura tinham inspiração ou fins religiosos e não existem construções mais duradouras que as confirmadas ao transcendente. A influência religiosa é bem patente na instituição monárquica, mas mesmo o sistema legal tem caracteres que denunciam a sua inspiração religiosa.
Uma das características da cultura ocidental é o seu crescimento orgânico, um espalhamento para lugares afastados das origens, numa série de renascimentos motivados pela livre comunicação. Ainda hoje este processo acontece na transferência de tecnologia e na apologia que o ocidente faz da democracia. É uma característica que remonta claramente ao método de evangelização cristão e muitos dos renascimentos culturais foram sentidos como também sendo espirituais.
A tendência actual vai claramente no sentido de secularizar a sociedade e mesmo as instituições religiosas. A religião passou a ser vista como mera superstição, a ser removida de qualquer discussão pública. As reacções a alguns discursos do papa Bento XVI mostram que a religião, no ocidente, só pode manifestar-se publicamente utilizando uma retórica inócua, pluralista e inclusiva. O politicamente correcto tolera apenas a religião escondida, no máximo uma inspiração para as boas maneiras. Os próprios líderes religiosos contribuíram para a desvalorização da religião, quando se contentaram em ver o cristianismo como uma reserva moral que domava o capitalismo, desistindo de apresentar a sua religião associada aos fins últimos e à salvação da alma.


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quarta-feira, junho 13, 2007

Civilização e religião (7)

A GÉNESE DA CIVILIZAÇÃO

Russel Kirk, no seu ensaio “Civilization Without Religion”, indica o contributo que a religião terá dado à civilização. Seguindo a linha de historiadores como Christopher Dawson, Eric Voegelin e Arnold Toynbee, Kirk dá uma resposta que surpreende pela sua simplicidade. A cultura emergiu do culto, entendido como a reunião de pessoas que têm em comum o desejo e a prática da adoração de um poder transcendental. Forma-se assim uma comunidade que pode crescer e cooperar das mais diversas formas, como na defesa comum, na agricultura e, aos poucos, criando instituições mais complexas e abstractas, como o aparato legislativo. Uma grande civilização nos nossos dias é um intricado de culturas que tiveram origem em pequenos nódulos de adoração, há milhares de anos atrás, na Palestina, Grécia e Itália, por exemplo.

O culto religioso perdeu a sua força, os templos modernos têm uma arquitectura horrível, longe de ser inspirada pela imaginação religiosa, parece querer antes transmitir a ideia de que o homem é realmente desprovido de alma. Para alguns, este declínio religioso é um triunfo civilizacional, porque podem mergulhar de cabeça na ilusão da liberdade sem responsabilidade, pensando que é uma situação que se pode eternizar sem consequências. Mas a civilização que abandona a inspiração religiosa está condenada a fragmentar-se em átomos. Este perigo é reconhecido até por ateus, que propõem um substituto laico. O ideal nacionalista é constantemente sugerido, sendo bem conhecidas as experiências que o levaram ao extremo, com as piores consequências. Para Kirk não haverão ideais que tenham a mesma força e consequências benéficas que aqueles que a religião já nos ofereceu. Olhando para o histerismo doentio da ideologia ideológica, que se propõe a ser a grande unificadora global, não deixo de pensar que terá muita razão.


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quarta-feira, junho 06, 2007

Civilização e religião (6)

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA – 4ª PARTE

O que se ensinava nas universidades pode ser chamado de alta cultura, que é uma emanação da cultura comum que começamos a adquirir desde a nascença. É a alta cultura que perpetua a memória da partilha colectiva, numa exaltação que torna tudo natural e sereno. A cultura comum, que em grande parte traduz os costumes da sociedade, deriva da religião e, sem esta, tudo se fragmenta. Várias instituições sobrevivem ao colapso das religiões, englobadas em movimentos que tentam fomentar outro tipo de partilhas comuns, como a nacionalidade.

É uma ideia que se tem tornado comum que todas as realizações positivas da civilização ocidental derivam de um afastamento da religião. Acontece que foram Jesus e São Paulo os primeiros a pedir a separação entre a religião e o Estado, e os valores de solidariedade e liberdade individual advém dos fundamentos do cristianismo. A tentativa de exterminar a alta cultura dos currículos universitários acaba por levar o homem erudito a separar-se da religião e, ao fazê-lo, cria um afastamento deste em relação ao homem comum.

As próprias alternativas aos currículos tradicionais acabam por ter um carácter teológico. As suas premissas são tidas como inquestionáveis e quem o tenta fazer recebe um de dois tratamentos. Ou é ignorado ou fica com o ónus da prova. Quem assume a defesa das causas progressistas foge do debate de ideias ao inverter o ónus da prova, afirmando que são os cépticos que têm de provar que eles estão errados e não eles que têm de mostrar que estão certos. Em tempos de menor alienação este crime contra a inteligência devia causar um calafrio, uma vez que é um método que serve para validar qualquer tipo de ideia, uma vez que elas deixam de valer pelos seus méritos mas sim pela inépcia dos que se lhes opõe. Na realidade a situação é bem mais grave já que quem domina as universidades são as mentalidades progressistas que não têm qualquer pudor em censurar e vetar as personalidades que não se vergam à sua ideologia. p>

Roger Scruton acaba a sua palestra com uma nota de esperança, confiando que nem todos os estudantes acreditam nesta farsa moderna e basta que um professor consiga lhes abrir os olhos para a verdadeira descoberta do “livro” para que isso provoque um desejo inabalável de maior iluminação, o que acabará por levar à constatação óbvia da grandiosidade da cultura ocidental.


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