terça-feira, junho 28, 2005

Recursos escassos

Esta manhã acordei sem água nas torneiras. Com a excepção de uma, que me permitiu encher uns poucos copos com água para cumprir com as necessidades básicas de higiene. A mudança de hábitos não foi drástica. Na verdade, foi até gratificante, sem me fazer perder muito tempo extra. Apercebi-me que habitualmente gasto uma quantidade de água bastante superior à necessária.

Quando muitos de nós enchem a boca com tiradas ecológicas, até que ponto, nos nosso actos quotidianos, demonstramos ter uma real consciência ambiental? Choramos lágrimas de crocodilo com a poluição e a destruição de habitates, mas desperdiçamos o que é escasso apenas porque ainda o conseguimos ter em abundância. É fácil numa discussão acalorada apregoar altos valores e discutir as grandes causas mundiais. Mas quando acordamos pela manhã somo simples seres mal dispostos, com remelas e mau hálito.

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segunda-feira, junho 27, 2005

O crítico adolescente

Uma ministra teve um lapso jurisdicional, por ignorar que não se podia fazer a distinção entre os tribunais das regiões autónomas e os continentais. Esta ignorância, que também era a minha, tem o perigo de cair no ridículo, como se a ministra tivesse dito que os Açores não fazem parte de Portugal. Mesmo esta última, é uma gafe comum. Contudo, penso que se faz demasiado barulho por coisas de menor importância. Boa parte do esforço crítico dos portugueses está direccionado para descobrir lapsos de linguagem, trapalhadas e questões menores de estilo.

Criou-se um modelo que políticos, bem como outras figuras públicas, devem ter. O conteúdo é preterido em função do estilo. Bem sei que todos gostamos de rir das “calinadas” dos famosos, um remanescente da mesquinhez que temos em adolescentes, quando queremos afirmar-nos no mundo, ao mesmo tempo que o mínimo pormenor é motivo de um escárnio sem fim. É curioso que muitas pessoas, que nas suas relações pessoais são bastante cordiais e não perdem tempo com futilidades, em relação a poderosos e famosos voltam a ter recaídas de adolescente.

Em termos nacionais, o evento mais significativo dentro deste âmbito que vi nos últimos anos, aconteceu com Guterres há uns anos atrás, em campanha eleitoral. Questionado sobre uns números, Guterres começou a fazer contas de cabeça. As contas eram elementares mas Guterres não as conseguiu fazer e durante uns segundos caiu numa situação insólita e caricata. Um programa de TV, A Noite da Má Lingua, chegou a dar-lhe um prémio por isso. Guterres recebeu desportivamente o troféu. Na altura a situação pareceu-me divertida e achei natural que durantes alguns dias fosse um comentário frequente entre as pessoas.

Contudo, o escárnio à volta deste evento durou muito mais. Durante meses a situação era parodiada um pouco por todo o lado. Tornava-se na gracinha favorito dos portugueses. Comecei a achar estranho este comportamento, que não podia estar relacionado apenas com o facto em si. Quantas vezes não nos aconteceu já termos momentos em que não conseguimos fazer as coisas mais elementares? O que é dramático nisto tudo foi as horas sem fim que os portugueses perderam a fazer escárnio por uma coisa insignificante, mas ao mesmo tempo tinham uma complacência sem fim para a desastrosa governação de Guterres.

Uns anos mais tarde era Durão Barroso parodiado como “O Cherne”, depois Santana Lopes colocado a ridículo se trocava as páginas de um discurso ou Paulo Portas fazia uma cara de admiração em directo. Não me choca que estes incidentes sejam motivo de reacção exageradas, sei que a natureza humana não é perfeita. Contudo, a partir do momento em que o nosso espírito crítico se restringe a estas coisas menores, surgem daí efeitos perversos. Abrem-se as portas aos políticos cada vez mais demagogos, que podem dizer enormidades mas as digam em tom convincente, que sejam nulos em termos de conteúdo mas eficazes em termos de imagem. E não são pessoas como estas que precisamos numa altura de crise.


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terça-feira, junho 21, 2005

Licença para mentir

Um dos fenómenos que mais surpreende-me nas sociedades modernas é a complacência que gozam os meios de comunicação social. Seja qual for o assunto, ele é abordado pelo jornalista sem a preocupação do mínimo rigor e, sempre que possível, utilizando falácias úteis, que permitem agarrar o leitor/espectador. Em qualquer amostra de um telejornal, facilmente apanhamos todo o tipo de contradições. E mentir é sempre um estilo a utilizar quando a verdade não é suficientemente estimulante.

As estatísticas mostram que os jornalistas são das pessoas que gozam de mais credibilidade geral. Os factos estão em flagrante contradição com esta avaliação tão positiva. De certa forma, é como se o jornalista fosse alguém que estivesse autorizado a mentir. E não apenas a mentir, também a fazer propaganda, a humilhar, a denegrir. Parece existir um acordo tácito entre a sociedade e os media, em que o jornalismo ao invés de ser uma forma de informação, passa a ser uma forma de expiar ódios e preconceitos. Afinal, o que faz a maior parte das pessoas com a informação que obtém? A primeira coisa é tornar os factos (se é que ainda são factos) em meras opiniões facciosas. Quantas vezes já nos atiraram à cara atoardas com a desculpa de que “vem nos jornais”?

Conduz esta actuação a uma distorção social, em que cada um é encorajado a dar azo à realização das suas ilusões. Que tal seja feito a nível individual, ninguém tem nada a ver com isso. Contudo, o que se encoraja é uma espécie de esquizofrenia global. Sob o pretexto de gozarem do direito a exprimirem-se livremente, os meios de comunicação acabam por atropelar diversas liberdades individuais e colectivas. A libertação não está na censura, obviamente, mas irmos ficando independentes dos media tradicionais e utilizar formas mais livres de comunicação. Nesse contexto, os blogs poderão fazer história um dia.


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quinta-feira, junho 09, 2005

Céu Frio


Gerês, Novembro de 2004, Mário Chainho.


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quarta-feira, junho 08, 2005

O segredo das bandeiras negras


Dia 10 de Junho está convocado um movimento de exposição de bandeiras negras por todo o país. Quer fazer-se o paralelo com a colocação de bandeiras de Portugal durante o Euro 2004, mas o paralelo é, no mínimo desajustado. A anterior colocação de bandeiras foi um acto positivo, de apoio e, apesar de solicitado, o seu grande sucesso deveu-se à espontaneidade com que aconteceu. Menos óbvio que isso, há outra diferente menos notória mas também fundamental. A colocação de bandeiras durante o Euro 2004 foi um assumir de participação activa, uma vivência mais sentida. Esta manifestação prevista para 10 de Junho tem, pelo contrário, no seu espírito, uma total desresponsabilização.

Para perceber esta minha posição é necessário fazer uma contextualização. As eleições legislativas não foram assim há tanto tempo, por isso não se pode alegar falta de memória. Os portugueses votaram em massa num governo socialista que prometia tudo e mais alguma coisa, equilibrar as contas públicas, SCUT não pagas, obras públicas de grande envergadura, manutenção e reforço da acção social do Estado. Prometeu falar verdade e não fazer como o executivo anterior que disse baixar impostos e depois fez o contrário.

A governação socialista, sem grandes surpresas, não tem ido por onde prometeu. O défice esperado para o final de 2005 de 6,8% tem servido de desculpa para as medidas de austeridade tomadas, ao mesmo tempo que se culpa o anterior executivo.

O governo finge agora espanto por ter um défice tão alto. Com uma comunicação social conivente, esquece uns quantos pormenores. Que o défice sempre foi superior a 3% nestes
últimos anos, sem recurso a medidas extraordinárias, sempre foi assumido. O anterior governo conseguiu apenas reduzir o aumento do peso da dívida pública, mas ela ainda assim foi aumentando. Isso, conjugado com uma conjuntura internacional difícil não permitiu melhores desempenhos (no curto prazo seriam quase impossíveis, mas não houve a coragem de tomar outras medidas fundamentais que se iriam reflectir mais tarde). Contudo, o défice esperado para 2005 tem de ter em conta aquilo que vai ser a governação socialista, nomeadamente a não colocação de portagens nas SCUTS, que começarão a ser pagas este ano em força. E isto é culpa exclusiva do PS.

As medidas tomadas pela governação socialista têm, em geral uma base comum: Como arranjar mais dinheiro para pagar a crise? São quase nulas as acções que visam a descida da dívida pública, já que isso parece ser tabu em Portugal. Sobe-se os impostos directos, aumentam-se os escalões do IRS, tentam-se maiores cobranças fiscais, adiam-se idades de reforma. As reduções da despesa limitam-se a medidas populistas, como o ataque a privilégios de políticos. Apesar de serem privilégios a abater, o seu peso na dívida pública é irrisório, mas sempre é uma forma de dizer que desta vez todos pagarão a crise. Não foi tomada nenhuma medida de fundo que tenha em si qualquer aroma de restruturação do sistema que temos. Além disso, as medidas de tentar obter mais receita são sempre más. Porque ou são mal sucedidas e provocam esfriamento da economia, podendo ainda gerar menos receita, ou então são bem sucedidas e vão habituar o Estado a uma receita extra da qual ele não irá querer abdicar no futuro.

Por tudo isto que disse, poderia parecer lógico que o protesto das bandeiras negras seria adequado. Contudo, as bandeiras negras não irão ser colocadas por estas razões. Em Fevereiro último, os portugueses embarcaram numa ilusão, guiados pelo timoneiro Sócrates. Não era preciso ser grande génio para perceber que todas aquelas promessas eram irrealistas. Os portugueses também não podem alegar que não foram sensibilizados para as questões do défice e do controlo da despesa pública, porque este tem sido um dos temas mais recorrentes nos últimos anos. Os portugueses quiseram acreditar que ainda havia almoços grátis e ainda muitos acreditam. Por trás do espírito das bandeiras negras estão aquelas pessoas que teimam permanecer na ilusão e agora fazem birra por terem sido chamadas à realidade.

As medidas anunciadas por este governo podem ser insuficientes, demagógicas e em alguns casos contra-producentes, mas não tenhamos dúvidas que visam também o combate a um problema real. Mesmo que nos pareça pouco, temos de colocar as coisas no seu contexto. Num governo socialista, suportado por um partido ávido de benesses públicas e que cai na tentação fácil da redistribuição, esta medidas não são pouca coisa. Tendo em conta aquilo que é o PS e o que foi a governação Guterres, este elenco mostra coragem e um grande realismo. É muito pouco, mas podia ser bem pior (triste país em que nos temos de contentar com tão pouco...). E aquilo que pedem as bandeiras negras é esse “bem pior”. É fazer de conta que não há quaisquer problemas, que tudo se resolve se não falarmos no assunto.

Não nos deixemos equivocar. As bandeiras negras não pedem rigor, redução da despesa pública, melhores serviços, um estado mais eficiente, uma economia mais dinâmica. Quem irá colocar bandeiras negras (haverá excepções, certamente) quer apenas que tudo fique como está. Quer um estado protector para todo o sempre, mesmo que isso já não esteja adequado aos tempos que correm e signifiquem, no mínimo, pobreza generalizada. Quer o melhor de todos os mundos, trabalhar pouco, ter poucas responsabilidades, todos os direitos, salários elevados, reformas luxuosas, exportações sem fim, importações à medidas. A bandeira negra será um apelo à ilusão, uma evasão da realidade, um querer manter a dormência, fugir das responsabilidades e do trabalho duro. As bandeiras negras serão colocadas, por ingenuidade, por aqueles que pedem o enterro de Portugal.


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