terça-feira, setembro 25, 2007

Hiato

Afazeres que não podiam esperar impediram que dispusesse tempo suficiente para mais um post da série “Civilização e Religião”, que segue já longos meses. Estando agora a palavra de sua santidade em causa, certamente o próprio, versado nas questões da eternidade, compreenderia a minha situação e iria preferir um hiato de uma semana a um discorrer apressado e imponderado sobre as questões fundamentais à volta da nossa sobrevivência enquanto colectivo.

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terça-feira, setembro 18, 2007

Civilização e religião (21)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (4)

Sem se sentir preparado para uma discussão a fundo sobre a Constituição Europeia (em 2004), Ratzinger salienta alguns elementos que não deviam estar ausentes da mesma. Em primeiro lugar, a dignidade humana e os direitos humanos são valores prévios, não são criados pelo legislador. Ao remetê-los para o Criador deixa de ser possível manipulá-los, sendo essa a principal garantia de liberdade. Existe sempre a tentação de utilizar finalidades boas para justificar a utilização de novas possibilidades que a medicina moderna oferece, como a clonagem, a utilização de fetos, a manipulação genética, que Ratzinger considera levarem a um lento definhar da dignidade humana.


Um segundo ponto é a defesa do matrimónio e da família como fundamentos da identidade europeia. As crescentes facilidades em realizar o divórcio e a tentativa de conceber as uniões homossexuais como sendo da mesma categoria das relações tradicionais são formas claras, conscientes ou não, de ameaçar a família e o matrimónio.

Por último, a questão religiosa. Em todas as culturas é fundamental respeitar aquilo que para o outro é mais sagrado. No Ocidente existe o preceito de respeitar crenças alheias, por vezes através de condicionantes legais, mas quando se trata de Cristo é a liberdade de opinião que aparece como bem supremo. «Contudo, a liberdade de opinião encontra o seu limite no facto de não poder destruir a honra e a dignidade do outro; não é liberdade de mentir ou destruir os direitos humanos.»

«Em tudo isto é patente um ódio que o Ocidente sente em relação a si mesmo, que só se pode considerar como algo patológico; o Ocidente, cheio de compreensão, tenta de maneira louvável abrir-se a valores externos, mas já não gosta de si mesmo; da sua própria história já só vê o que é censurável e destruidor, já não está em condições de perceber o que é grande e puro. Se a Europa quiser sobreviver, necessitará de uma nova – certamente crítica e humilde – aceitação de si mesma.»

Remete isto directamente para o multiculturalismo, tão encorajado entre nós mas que acaba por ser uma «fuga das características próprias (…) Faz parte do multiculturalismo ir ao encontro do outro com respeito pelos seus elementos sagrados; mas só podemos fazer isto se o sagrado, Deus, não nos for estranho.» Se esta tarefa fosse levada a sério a troca seria nos dois sentidos, sendo reconhecido que os outros também têm o direito em conhecer o nosso Deus «que tem compaixão dos pobres e dos fracos, das viúvas e dos órfãos e dos estrangeiros (…)» A razão porque o resto do mundo vê o Ocidente como decadente, apesar de todos os nossos avanços a vários níveis, é porque a nível espiritual já nada temos a mostrar.

Relembrando a ideia de Toynbee, Ratzinger exorta os cristãos a se conceberem como a minoria criativa que contribui para readquirir o melhor que a herança europeia tem «e, deste modo, colocar-se ao serviço da humanidade inteira.»

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terça-feira, setembro 11, 2007

Civilização e religião (20)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (3)

Depois da Revolução Francesa surgiu nas nações latinas o modelo laico, onde «o Estado recusa o fundamento religioso e sabe que se baseia unicamente na razão e nas suas instituições.» A fraqueza da razão como suporte base torna este sistema vítima fácil das ditaduras. O que ainda torna os sistemas viáveis são os resquícios da anterior moral. Na Europa protestante é frequente existir uma religião de Estado que serve de fundamento moral. Apesar de serem sistemas mais sólidos que os anteriores, acontece um inevitável desgaste das igrejas de Estado e actualmente já não provém delas qualquer força moral.


O modelo dos Estados Unidos é distinto dos anteriores. A vida política segue um paradigma emulado do cristianismo protestante mas existe uma rígida separação entre Estado e Igreja. O futuro é também incerto quando a maior comunidade religiosa neste país já é católica, apesar de por enquanto seguir o princípio da separação religiosa.

Surgiu na Europa no século XIX o socialismo, que assumiu duas formas, a totalitária e a democrática. Muitos católicos sentiram-se próximos do socialismo democrático devido às afinidades programáticas com a doutrina social da Igreja. O modelo totalitário assente numa visão determinística da história era, pelo contrário, fortemente ateísta. Apesar disto, este socialismo apresenta um dogmatismo sem paralelo que subverte toda a moralidade europeia e de outras grandes tradições mundiais. Para este socialismo apenas o futuro é o juiz supremo e em nome dele e da sociedade perfeita que irá trazer «tudo pode ser permitido e até necessário.»

O naufrágio dos sistemas comunistas é normalmente atribuído à errada doutrina económica. Ratzinger discorda. «A verdadeira e autêntica catástrofe que eles deixaram atrás de si é de natureza económica; consiste no esgotamento das almas, na destruição da consciência moral.» Antigos comunistas não têm dificuldades em se tornar liberais na economia, afastando assim a problemática moral e religiosa. É não ver aqui o fulcro da questão que reside o grande perigo para a autodestruição da Europa.

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terça-feira, setembro 04, 2007

Civilização e religião (19)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (2)

Oswald Spengler criou uma tese, etiquetada de biológica, que estabelecia algo comouma lei natural para as grandes expressões culturais. Como qualquer ser vivo, uma cultura nasceria, iria crescer e depois morrer. Para Spengler o Ocidente já estaria perto do fim, que seria inevitável, sendo apenas possível fazer uma transmissão de dons para outra cultura emergente. Arnold Toynbee opôs-se fortemente a esta visão, assumindo que o verdadeiro progresso não era o material-técnico mas o espiritual. Admitindo também a existência de uma profunda crise no Ocidente, culpava-a pelo rebaixamento da religião ao culto da técnica, da nação e do militarismo.

A versão de Toynbee abre uma porta para a possibilidade da cura, que seria a reintrodução do factor religioso. «À visão biológica contrapõe-se aqui uma uma visão voluntarista que se baseia na força das minorias criativas e nas personalidades individuais de excepção.» Ratzinger salienta que sendo o futuro incerto fica em aberto qual dos dois autores terá acertado. Mas apesar disso impõe-se a tarefa de saber «o que é que tanto hoje como amanhã promete dar-nos [a nós europeus] a dignidade humana e uma existência que esteja conforme com ela.» Para encontrar uma resposta há que olhar para a situação actual, o que será visto no próximo post.

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