terça-feira, setembro 28, 2004

Grandes questões do nosso tempo

Há coisas que nos fazem pensar que os tempos mudam. Por exemplo, aquelas grandes questões que todos acabam por discutir. Há uns anos atrás, questões incontornáveis versavam temáticas como a existência de Deus, a possibilidade de uma vida depois da morte, se a vida era vida sem um grande amor... Para alguns serão ainda questões fundamentais, mas sinto que para a maioria deixaram de fazer grande sentido, sendo assuntos menores. É difícil dizer quais são as questões incontornáveis desta era. Arrisco dizer que versam sobre política internacional, o papel da estado na sociedade, a integração de emoções com a razão...
Passou-se de questões grandiosas, onde se pretendia encontrar a essência da vida e da morte, para questões mais concretas, que dizem respeito ao actual. Será negativa esta mudança? A meu ver não, em teoria. As questões podem ter mudado, mas a forma ingénua como se abordavam continua a mesma. Serão as pessoas que escolhem as ideias ou as ideias que usam as pessoas como meio de transporte? Apesar de me agradar esta viragem para o concreto também traz novos riscos. Ter ideias idiotas sobre a existência de Deus não era especialmente gravoso(pode parecer provocação minha mas não é...). No entanto, virando-se as questões para o concreto isso fez ocorrer uma explosão maciça de “Idiotas Úteis”. Pequenos grupos extremistas servem de guias ideológicos às populações que se pensam mais esclarecidas, nos países modernos. Mas como alguém pode ser esclarecido quando se limita a papaguear o que lhe sabe bem dizer e foge de toda e qualquer análise racional e ponderada?




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terça-feira, setembro 21, 2004

O fim do mundo

Acordar com a televisão ligada pode-nos deixar amargurados para o resto do dia, mas também mais sensibilizados. Três notícias em catadupa, o furacão Ivan com um rasto de destruição, fome em África e a execução de um prisioneiro no Iraque. Coisas que nos pedem para aceitar a vida, mas também coisas que nos fazem tomar partido, ficar mais sensibilizados ou talvez irracionais (nem sempre é possível saber a diferença).

Os fenómenos climatéricos extremos são coisa estranha para nós, portugueses. Podemos passar muito frio e muito calor, mas é sempre dentro dos limites suportáveis. Não há tempestades tropicais, furacões, monções, tufões, tsunamis. Uma chuvada mais intensa é logo pretexto de uma reportagem na TV. Por isso, não consigo ter bem a noção do que está a ser a passagem do furacão pelas Américas. Há a sensação que, para além de fugir e preparar a reconstrução, pouco há a fazer. Com o clima não se negoceia, aceitasse porque outra alternativa não é possível.

Fome em África, as chuvas dificultam as colheitas no Mali, que até já chegou a ser um exportador para outros países. Comunidade Europeia, EUA, Austrália, subsidiam o seus já razoavelmente abastados agricultores, impedindo que os agricultores africanos possam entrar nos nossos mercados. O desenvolvimento de vários países africanos poderia passar por aqui, sendo esta uma das poucas áreas em que poderiam ser competitivos. Tal iria aumentar a riqueza do país, atrair mais investimento (se forem criadas outras condições estruturais), e o desenvolvimento poderia estender-se a outras áreas, ficando-se menos dependente das imprevisibilidade que a agricultura é. Poderia ser também um exemplo para outros países vizinhos, que agora se preocupam mais em guerrear. Lutar contra a pobreza não é dar ajudas pontuais, que nada alteram. Todo um continente fica suspenso pelo egoísmo dos governos dos países ricos, que tomam medidas anti-liberais quando isso é popular. O egoísmo de todos nós...

Encapussados tem à sua frente um refém de joelhos, de olhos vendados. Depois de dizer algumas palavras, o refém sobe e desce os ombros várias vezes de forma involuntária, denotando que está a chorar por saber que a sua morte está eminente. E a morte acontece, finalizando o vídeo com a imagem da cabeça arrancada ao corpo, ensanguentada. Não escondo que naquele momento a minhas vontade foi de matar com as minhas mãos os executores bárbaros. Penso no tempo que as pessoas perdem com teorias da conspiração, a culpar as vítimas, a buscar explicações quando fogem de todos os factos ocorridos.

Estou longe de estar convencido que uma intervenção no Iraque foi justificada. Menos convencido ainda estou de que foi injustificada. Sei que só daqui a alguns anos as mentes irão acalmar o suficiente para se ter uma visão mais objectiva da situação. Sinto que as pessoas não querem combater o terrorismo. Claro que não querem terrorismo, mas opõem-se sempre ao seu combate (excluo daqui algumas figuras da nossa praça que dão todo o ar de gostarem do terrorismo, por razões ideológicas). Terroristas que não se importam em dar a sua vida causam uma sensação de impotência. São um inimigo sem rosto que não provoca união. Pelo contrário, a tentação é ceder para se ser poupado. Dão-se explicações ingénuas, que são as acções ao longo do tempo dos EUA que causam o terrorismo. Pelo meu ponto anterior, percebe-se que os países africanos teriam muito mais razões para odiar o ocidente que os islâmicos. Mas é uma explicação que agrada aos europeus, porque os faz sentir-se mais seguros. Preferem ignorar que os propósitos da al-Qaeda já são conhecidos há alguns anos e não visam os EUA especificamente. Pelo contrário, todo o mundo ocidental é condenado, bem como a maior parte dos governos islâmicos.

Apesar de tudo, muito se fez para lutar contra o terrorismo .As regras de segurança aumentaram, os serviços secretos estão mais atentos. As intervenções militares americanas destituíram um ditador e puseram em fuga terroristas assumidos. Mas todas estas acções são limitadas na sua eficácia, havendo dúvidas se as intervenções militares não terão sido contraproducentes. Talvez tenham servido para evitar mais ataques eminentes, porque não aconteceu mais nenhum nos EUA e provas desportivas como o Euro 2004 ou as últimas olimpíadas decorreram na normalidade (alguns argumentam que os terroristas estão tão ocupados no Iraque que o resto do mundo tem os eu balão de oxigénio).
Mas o ímpeto terrorista não parece ter diminuído. A longo prazo, não é com intervenções militares constantes nem com maior policiamento que se conseguirá ser eficaz contra o terrorismo. Apenas o carácter das pessoas é a única arma que pode ser utilizada com sucesso. Paciência, coragem, firmeza e flexibilidade, racionalidade, intuição, dúvida permanente. No entanto, o que vejo alastrar é a cobardia, as certezas absolutas baseadas na irracionalidade, no medo e no ódio, a xenofobia, e uma certa falta de gosto pelo viver. Os problemas são uma oportunidade para nos superarmos ou, se não os enfrentarmos, uma porta para a ruína.




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sexta-feira, setembro 17, 2004

Um tal de José Castelo Branco

Estava parado num sinal vermelho, como peão, frente a um quiosque. Uma das minhas olhadelas apanhou um tal de José Castelo Branco (JCB) em destaque, pelo que percebi dado como garantido num programa da TVI onde se vai expor amplamente. É difícil de explicar o fascínio que o povo tem pelas aberrações. Mas JCB sabe que ser uma aberração é uma coisa relativa. Em Nova York JCB não causaria nenhum furor, porque lá facilmente se encontram milhares de pessoas com uma estética tão ou mais alternativa que a sua.

Por isso, JCB decidiu mostrar-se em Portugal porque sabe que aqui é visto como uma aberração. Mas não sejamos tão simplistas porque há mais vertentes a considerar. JCB sabe que muitos pais de família, barbudos e barrigudos, com a família ao lado, vão estar no sofá a insultá-lo (“Mariconço”, “Se pudesse acabava com a tua raça”, etc.) mas secretamente fantasiam estar em delícias eróticas com ele. Da mesma forma, muitas esposas honradas gostariam de testar a verdadeira identidade de JCB. E JCB também sabe que deixa muitos parolos confusos por falar de coisas que eles não entendem, palavras “em estrangeiro”, usar jóias que lhes causam inveja, fazer gestos diferentes, e ter uma pose fria e alheada de uma pretensa superioridade. Em suma, JCB sente-se invejado e desejado por um público que o finge repudiar.
O que JCB talvez desconheça é que na realidade não é aberração nenhuma. Os seus gestos, gostos, comportamentos são tão vazios de essência como os praticados por qualquer pessoa. Por muito que lhe custe, José Castelo Branco é tão humano como qualquer um de nós.




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Curtas

Apenas duas coisas podem unir uma multidão de desconhecidos: A Verdade ou a Loucura. Especialmente esta última...

Narciso Miranda chamou os jornalistas para falar ao país. A determinada altura (cito de cabeça), disse algo como: «Não tenho nada com que me envergonhar» ou «Não me envergonho com nada.» Fico espantado por os jornalistas, sempre tão ávidos em apanhar os políticos em falso, terem deixado passar esta. Certamente que leram nas palavras de Miranda algo como: «Sei que falam mal de mim, a propósito dos trágicos acontecimentos da lota de Matosinhos. No entanto, acho que o meu comportamento foi digno e não tenho nada com que me envergonhar.» Já eu, que ando contaminado pelo vírus da má língua achei que Narciso disse apenas: «Não tenho vergonha na cara!»

Um dos anúncios mais surpreendentes dos últimos tempos é, no meu ponto de vista, o da cerveja Sagres. Uma jovem, a fazer de loura e a fazer de sexy, bate à porta do namorado (ou amigo colorido). Percebe-se que se vem oferecer para uma jornada de prazeres sexuais (o que denota o mau gosta de assumir as louras como umas desavergonhadas). O jovem, de cerveja na mão, olha para as duas “louras” e opta pela Sagres em detrimento da Daniela. Vendo eu publicidade há quase 30 anos nunca pensei que um marca de cervejas fosse admitir que o álcool causa impotência.




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terça-feira, setembro 14, 2004

O quarto poder finalmente controlado

seriam, em teoria, os portadores dessa nobre missão. Contudo, o poder de informar deixa corromper as mentes e as vontades. Sem contas a prestar, os jornalistas deixam de informar e passam a ser um grupo de pressão com um estatuto especial. Para eles não existem segredo de justiça, verdade, direito de resposta, imparcialidade. Tal como o general louco em “O Outono do Patriarca” (GGM), que vivia alheado da realidade e uma era-lhe criada só para seu prazer, os jornalistas deixaram-se envolver nas suas próprias ilusões.

Um desequilíbrio destes põe em causa a liberdade e a própria democracia. Aparentemente, não haveria forma de controlar esta espiral destrutiva, porque qualquer intervenção política seria vista como totalitária. Além disso, pessoas isoladas sentem-se impotentes e grupos organizados preferem não se meter com jornalistas, não vão cair em desgraça por isso. Mas finalmente e talvez inesperadamente, um novo elemento, tão pequeno e frágil, mostra ter algum peso na balança. Falo da blogosfera, que cada vez mais se afirma como o “corrector automático dos jornalistas”. Em Portugal ainda não elege presidentes, mas pode ser que atinja a sensibilidade de alguns jornalistas honestos (suponho que devam existir).
A única arma de um blog é a verdade. Só assim é possível controlar o quarto poder sem lhe restringir a liberdade informativa. Ou talvez a blogosfera se transforme num quinto poder, com outros perigos inerentes...




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quinta-feira, setembro 09, 2004

Orgulhosamente sós (um post muito longo...)

Há épocas extraordinárias, em que civilizações se desenvolvem e paira uma energia criativa no ar que parece todos contagiar. Outros momentos há marcados por movimentações avassaladoras, guerras prolongadas, revoluções, ditaduras sangrentas, que também condicionam toda a vida de quem os assistiu. Fenómenos outros há que podem ser tão marcantes como estes, mas que se desenvolvem de forma quase imperceptível, que poucos ligam mas em que quase todos se encontram envolvidos. Suspeito que estes “movimentos lentos” só sejam marcantes porque são profundamente negativos. Receio bem estar em curso um destes movimentos – o da consolidação de uma Xenofobia Global (XG). Falo essencialmente do sentimento português, contudo irei estender-me a outras paragens quando tal se justifica.

Pequenos pormenores podem ser reveladores. Surpreende-me o número de pessoas que, em voz baixa, fala mal dos brasileiros. Ficam incomodadas por brasileiros servirem à mesa, apresentarem programas de rádio, abrirem consultórios. Mais surpreendente são as pessoas que dizem não ver os canais da TV cabo com documentários por serem falados em “brasileiro”. Apesar de gostarem dos documentários, não suportam aquela voz. De forma semelhante, muitos portugueses repugnam-se pela presença de espanhóis, apesar de não o darem a entender. Dizem que são brutos, falam alto, ou simplesmente não gostam deles.

Apesar de sempre terem existido estereótipos em relação a estes dois povos, especialmente os espanhóis, actualmente passa-se algo diferente. Começa a verificar-se uma aversão quase visceral. E quando os preconceitos se entranham no corpo pode-se ter chegado longe demais. Arranjam-se algumas explicações requintadas, tentando mostrar que esta repugnância é natural (?), por vezes com alguma acutilância, porque ninguém é perfeito. Mas essencialmente, o desconhecimento sobre os dois países que supostamente nos estão mais próximos é a regra. Ignora-se também o muito que podíamos aprender com eles (e eles connosco), porque penso que há alguma complementaridade entre nós e “eles”. Além disso, uma cooperação bem intencionada com brasileiros e espanhóis podia ser um bom impulso nos difíceis tempos que nos esperam. Mas ela só tem acontecido quando é forçada de “fora para dentro”.

Também o sentimento anti-americano tem o seu quê de xenófobo. Vou começar por separar as águas para depois talvez chegar à conclusão que tal pouco sentido faz. A invasão do Iraque seria sempre um ponto que levantaria celeuma. Trata-se de guerra, morrem pessoas, locais ficam destruídos, gera-se caos. Por mais boas intenções que se apregoem, da libertação do povo de um ditador sangrento, da luta contra o terrorismo, a guerra vista em directo torna mais fácil acreditar que tudo é em vão, que nada vai mudar ou que mudará para pior. Ainda por cima, sabemos que os estados se movem por interesses e possuindo o Iraque grandes reservas de petróleo, não é difícil fazer a associação. Por essa razão, a invasão do Iraque, por mais justa que fosse, criaria sempre grandes movimentações contra a Administração Bush.

Mas estas movimentações já existiam muito antes, mesmo antes do 11 de Setembro. Já existia a rotulamento de um presidente ignorante, burro, mal intencionado e que não olharia a meios para conseguir o que deseja. Para confirmar todas estas “verdades” temos um Moore, que diz aquilo que muitos querem ouvir e os deixa satisfeitos e sem necessidade de procurar mais argumentos. Porque, por mais incrível que pareça a alguns, é relativamente fácil hoje em dia a qualquer um averiguar se de facto as coisas se encaixam de forma tão perfeita como nos são apresentadas. Perdendo algum tempo, poderia tentar-se perceber se Bush é tão idiota como se quer fazer passar, para onde irá o petróleo do Iraque, o que aconteceu mesmo ao Museu de Bagdad, se os EUA de facto venderam a maior parte das armas que o Iraque dispõe, ou mesmo se o sistema constitucional americano permite a governação imperial que dizem existir.

Mas a troca de argumentos sobre a miríade de aspectos que constitui esta questão já foi discutida até à saturação (apesar de longe do grande público), e não me quero prender nela. O que quero salientar é que são muitas as pessoas contra os EUA mas pouquíssimas as que perdem tempo a averiguar essas mesmas certezas. Agora ia começar com a segunda parte (a mistura das águas) da “argumentação”. Se admitíssemos, por hipótese, que a actuação da Administração Bush foi desastrosa, isso seria motivo para não gostarmos da administração, apenas isso. Mas o que acontece actualmente é que isso é apenas um pretexto para condenar todos os norte-americanos.

Claramente, a maior parte das pessoas não gosta dos “americanos”. «Qualquer filme que mostre americanos a morrer eu gosto», disse-me um conhecido com um sorriso. Parece que se tornou politicamente correcto falar dessa “raça maldita”, aparentemente criada por geração expontânea, todos burros, militaristas e que apenas conseguiram trazer mal ao mundo. O 11 de Setembro teve várias consequências e uma delas foi a de que muitos expressassem o ódio que já tinham pelos EUA. Os ataques de 11 de Setembro foram vistos com alegria por muitos, que alguns tentaram esconder mas que outros não hesitaram em celebrar em público. Parece-me hoje óbvio que a solidariedade mostrada por todos após os ataques não passou de uma farsa. Mais estranho ainda foi a pouca importância dada à ameaça terrorista, apesar de se saber que ela não visava apenas os EUA mas todo o mundo. Limita-se a uma maior vigilância e pouco mais. Alegremente vamos sendo encaminhados para o forno crematório. Alegremente porque, aparentemente, os americanos serão os primeiros a serem torrados.

Mas mudemos de continente, e ficaremos na nossa Europa. Está embrionário o sentimento anti-europeu pelos próprios europeus. Um conjunto de factores causa auto-repulsa. Foram os europeus que criaram a I e a II Guerras Mundiais. Os EUA nunca seriam a potência que são sem estas brilhantes invenções. Foram os europeus que criaram as ideologias totalitárias (fascismo, nazismo, comunismo). O comunismo espalhou-se a leste, com as consequências que sabemos. Foram também os europeus os responsáveis pela colonização de inúmeros lugares espalhados pelo mundo, que com a inevitável descolonização criaram muitas oportunidades de conflitos para a Guerra Fria, e finalmente a uma data de repúblicas ingovernáveis e/ou dictatoriais. Os europeus, que se acham campeões dos direitos humanos, não fazem nada de útil para a resolução de conflitos. Quer por falta de coragem, quer por interesses estabelecidos, têm sempre uma actuação passiva face aos grandes problemas do mundo.

Na Europa, a França ocupa uma posição de destaque para atrair alguns ódios. Não é por serem os campeões do anti-americanismo que são bem vistos (as estatísticas mostram que os alemães ficam à frente). Ainda não faz parte do vocabulário o termo anti-francesismo, mas talvez pouco falte. Porque os líderes franceses, ao colocarem-se em bicos de pés e a chamarem a si o título de defensores principais dos direitos humanos, não são especialmente convincentes. Muitos não hesitam em denunciar a hipocrisia deste comportamento, quando os governos franceses nunca se coibiram de usar todos os meios à sua disponibilidade para a defesa dos seus interesses (incluindo intervenções militares e negociatas com os piores ditadores).

Ainda sobre a França paira a acusação de ser a maior responsável pela existência da Política Agrícola Comum, que não pode ser classificada de outra fora que não seja como um autêntico crime contra a humanidade (isto mereceria uma análise à parte, até porque existem outras PAC em outros continentes). A França também lidera, presumivelmente, a tentativa de elaboração de uma futura federação europeia, com uma configuração em que “os grandes” não possam perder poder e “os pequenos” tenham uma liberdade condicionada. Já temos suficiente dados históricos para saber que este modelo apenas conduz ao definhamento inevitável das economias, arrastando tudo o resto.

Mas, tal como acontece em relação aos EUA, o desagrado em relação às políticas dos governos franceses transforma-se muito rapidamente no desagrado em relação a todos os franceses. Junta-se tudo no mesmo tacho e sobre os franceses mesclam-se todo o tipo de críticas, tanto as que poderiam se atribuídas a alguns indivíduos como as que pretensamente identificam o povo pela negativa: porque os franceses são arrogantes, porque negoceiam com terroristas, mal agradecidos por não reconhecerem quem os salvou, arrogantes a ponto de ainda se acharem uma grande nação, pretensiosos, pouco chegados à água e ao sabonete. Como se estas classificações se ajustassem a todo e cada um gaulês...

Mas xenofobia também existem em relação aos muçulmanos. É curioso que muitas vozes tentem compreender as razões do terrorismo islâmico e até desculpá-lo, mas sobre o Islão propriamente dito muito poucos procurem saber algo, ficando-se por uns quantos estereótipos. Em alguns momentos chego a pensar que é maior o respeito pelo terrorismo islâmico do que pelo Islão moderado. Isto terá algum sentido, uma vez que respeito ainda é visto muito como medo, mesmo que inconscientemente.

Os portugueses desconhecem a sua herança árabe (nem todos os árabes são muçulmanos, nem todos os muçulmanos são árabes), e no muito que perdemos ao expulsá-la, tal como foi feito com os judeus. Foi o mundo islâmico que permitiu que não se perdesse muita da nossa herança grega. É certo que o Islão atravessa templos complicados, com muitos problemas por resolver. Mas não sejamos ingénuos de pensarmos 1,4 mil milhões de pessoas constituem um grupo uniforme. Nem todas as muçulmanas são obrigadas a usar véu (em alguns países gozam até de liberdades muito semelhantes às dos homens), e nem todos veneram imagens de ayatollas.

Na realidade, os ayatollas (líderes religiosos) só existem para os xiitas, que são apenas 10% dos muçulmanos. Para os sunitas, que completam quase 90% dos restantes muçulmanos, não existem líderes, nem imagens. Por vezes também se faz passar a imagem que todos os muçulmanos encetaram uma Jihad contra o ocidente. Mas ninguém se questiona a razão de Jihad significar guerra santa. Só é santa porque Jihad é, em primeiro lugar, a luta da pessoa consigo mesma para se tornar melhor. Infelizmente, várias passagens o Corão também podem ser interpretadas como incitando a uma guerra menos santa. Não há que esconder que o Islão esconde em si eventuais focos de perturbações graves, das quais o terrorismo é a mais preocupante. Mas, precisamente devido a este perigo, mais urgente se torna compreender o que está em causa e ser justo, porque só assim também se tem autoridade para ser duro. Contudo, o xenofobismo conduz exactamente ao contrário, em que se é duro para os muçulmanos em geral mas bastante passivo para a minoria que escolheu o terror.

Em relação aos judeus, a xenofobia quase remonta ao “início dos tempos”. Quase que se pode dizer que os judeus são o bode expiatório da humanidade. Portugal era um dos poucos países do mundo em que o anti-semitismo era quase inexistente. Anti-semitismo em termos formais seria aplicado não só a judeus mas também a cristãos e a muçulmanos, porque todos são semitas. Mas a criação do termo e a sua utilização desde sempre apenas visou os judeus. Curiosamente, Portugal é também dos poucos países do mundo que engloba herança genética dos 3 povos semitas em boa parte do seu povo, ainda por cima misturada. Por isso, é particularmente triste ver que cresce o anti-semitismo também em Portugal, tal como acontece no resto da Europa. O conflito entre Israel e a Palestina não explica tudo. Na verdade, é inacreditável que se saiba tão pouco sobre este conflito quando ele aparece diariamente nos meios de comunicação social. Parece até que o que interessa é que o problema não se resolva, para que possa existir um pretexto para odiar os judeus (porque na verdade, ninguém se interessa pelo destino dos palestinianos). Também no caso de Israel, muito facilmente se confunde as políticas de um governo com as aspirações de um povo (quase 70% dos habitantes de Israel acredita no futuro do estado da Palestina). Este é outro assunto que deveria ser visto à parte, mas já é fruto de atenções recorrentes na blogoesfera.

O xenofobismo não fica por aqui. Não desapareceram os preconceitos contra africanos e asiáticos, mais uma vez apoiados na ignorância e na pretensão de superioridade (às vezes inferioridade). As pessoas usam a palavra “cigano” como insulto e nunca perderam um momento para saber mais desse povo que há tanto tempo se encontra entre nós. Seja qual for o país ou a zona do planeta, quase imediatamente há um disparate para lhe associar.

É difícil de explicar como se cai numa situação destas, sobre a qual ninguém parece dar importância. A nossa herança de animal tribal, que tem necessidade de defender um território, talvez esteja confortável assim. Só assim se explica tanta credibilidade que damos a pessoas que espalham tantas mensagens de ódio. Na realidade, não posso dizer que exista alguém que defenda o ódio contra todos. Os ideólogos, às vezes mascarados de jornalistas, outras de pessoas sérias, vão-se repartindo. Uns criticam os americanos, outros os europeus, ou os franceses, ou os árabes, ou judeus... Para o homem comum, que vê falar mal de “toda a gente”, o resultado é que começa a desconfiar de todos os que estão no exterior.

Mas considero as elites piores que o homem comum. O homem comum não sente a necessidade de se explicar que o homem mais “evoluido” mostra. Essa necessidade aumenta exponencialmente a possibilidades de se mentir a si próprio, porque respondem a fortes necessidades emocionais. Se o homem “evoluído” procurasse destrinçar alguma verdade, aí poderia justamente merecer o título, mas apenas pretende confirmações ou desculpas para as suas fáceis certezas.

Mas porque estará a Europa a sofrer estes fenómenos, a morder a quem lhe deu a mão, a cuspir no prato em que comeu, ao mesmo tempo que olha com extrema benevolência para quem a quer exterminar? O desejo de auto-holocasto parece cada vez mais evidente, não sendo ainda evidente… Porque caímos neste estado terminal, não sei. Interessava saber se há formas dele sair. Acredito que muitas pessoas mais velhas queiram mesmo colocar termo à vida de forma suave, desgostadas por existências vãs e por falta de coragem em aceitar desafios, por terem toda a vida acreditado num mundo de salvadores que as tornou fracas. Vejo essa cobardia um pouco em todos nós, logo a começar pelo fim da adolescência. Mas penso, se esta gente também quer o mesmo fim precoce para as pessoas que ama. Quererá? Será resultado da “Educação para a tristeza”? Teremos atingido um ponto de saturação em relação a nós mesmos? Ou será que é apenas problema de alguns?

Normalmente, quando faço um post negativo, termino com algum pensamento de esperança. Mas custa-me encontrar esperança numa situação destas, quando pessoas que sempre considerei sérias e ponderadas se deixam envolver na terrível teia. Como trata-se apenas de uma visão minha, sempre em evolução, existe uma grande margem de erro associada. Espero que esse erro seja suficiente para estar bem enganado.



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quinta-feira, setembro 02, 2004

Jogos Olímpicos

O lema dizia que o importante é participar... para a ganhar... a todo o custo...

Ironias à parte, por as olimpíadas só se realizarem de 4 em 4 anos permite também avaliar alterações em nós mesmos, na nossa percepção, sobretudo. É uma oportunidade única para ver tantas modalidades desportivas. Sempre tive apreço pelas modalidades mais artísticas e acrobáticas, em que os portugueses sempre foram tão débeis. É certo que as acrobacias, que me enchiam o olho nas olimpíadas anteriores, cada vez menos espectaculares me parecem e a minha atenção é chamada por pormenores, como a subtileza e intenção dos gestos.

Mas aqui fico desiludido. Porque em geral os gestos são efectuados de forma rude, sendo apenas decorativos. Alguns ginastas são naturalmente mais graciosos, mas em geral falta alma. Não será de espantar. Algumas modalidades são de tal forma exigentes que os atletas não passam de crianças fisicamente, para que os corpos se moldem para realizar proezas atléticas. Com o objectivo de ganhar algo, deformam-se corpos, que são puxados ao limite, envelhecendo precocemente. A ansiedade da competição, tantas vezes solitária, manifesta-se. Horas sem fim os ginastas praticam para aperfeiçoar os movimentos, guiados por parâmetros avaliativos que mudam regularmente. Nada de realmente fundamental se procura.

Mas o gesto sincero leva décadas a desenvolver, tempo que a competição não dispõe. Um gesto sincero revela o carácter de uma pessoa. Realizar uma acrobacia ou mesmo ganhar uma medalha, não.

Não quero parecer um crítico de tudo o que seja competição, porque ela faz sentido em muitas áreas, sendo até natural. Em geral é com agrado que vejo as mais diversas provas das olimpíadas, tão variadas e que mostram também a riqueza do que é o ser humano e daquilo que pode fazer consigo mesmo e com o mínimo de utensílios. A modalidade que talvez tenha visto com mais agrado foi a natação sincronizada. Começa logo por serem quase as únicas atletas que têm um corpo harmonioso (confesso que aquelas belas pernas me fascinam). O contacto com a água e o trabalho de grupo parecem-me ser benéficos em termos também pessoais. Em geral, são das provas mais ricas em termos artísticos e em que a inclusão de movimentos só para encher é quase nula. Também isto se reflecte naquilo que são as atletas, que mostram menos ansiedade e também um sorriso mais amplo e sincero. Claro que posso estar a ser influenciado devido à minha fraqueza por pernas belas...


Não quis começar a “nova época” com um post bastante sombrio que tenho previsto...




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