quinta-feira, abril 21, 2005

O novo Papa (3)


Os posts anteriores podem dar a ideia que me identifico com a escolha do novo Papa e que partilho da visão conservadora da igreja. Contudo, não sou católico e nem sequer cristão. Em termos estritamente pessoais, nada disto me afecta. Contudo, como não somos seres “estritamente pessoais” não deixo de fazer estas observações.

A manutenção do conservadorismo da igreja católica parece-me ser uma questão de sobrevivência a médio prazo. A maior abertura reclamada seria bem vista por muitos, mas seria um tiro no pé. Mas, alguns do valores que a igreja continua a fazer finca pé parecem ser anacrónicos e a sua defesa intransigente será outra forma de suicídio. Sendo assim, o caminho é estreito.

O Vaticano poderia ter mostrado o abertura à modernidade sem precedentes. Ao invés da escolha do Papa ter decorrido da forma tradicional, porque não ser feita por todos nós, quem sabe por votação SMS? A ideia parece ridícula mas sabemos explicar a razão? Admitindo que todos os problemas logísticos estariam resolvidos, não seria esta uma alternativa mais democrática e que de facto contentaria o povo? A resposta é um “não” claro. É estranho, mas quanto mais democráticas são as instituições menos respeito temos por elas.

Mas a ideia é ridícula por outras razões. Os procedimentos de escolha de um novo Papa, o fumo branco e o fumo negro resultado das votações, o absoluto secretismo, a missa em latim que ninguém compreende, são normativos com séculos de existência que se incrustaram na nossa memória colectiva. São cerimónias que vemos poucas vezes na vida. Abdicar deste património seria impensável. As igrejas foram feitas para durar séculos, respeitamo-las também por isso.

Comparando com outras religiões, o catolicismo tem um modo de actuação deficitário. Dá ainda demasiada importância a questões comportamentais (vida sexual) ou de organização hierárquica (não ordenação das mulheres), mas descura bastante os aspectos mais relevantes. Os fieis raramente são espicaçados a serem pessoas mais atentas, e os próprios actos litúrgicos são presenciados por pessoas meio ausentes, que dizem palavras de ordem em momentos pré-definidos e pouco mais.

O caminho estreito da igreja católica, e que penso ser a ideia do novo Papa e dos cardeais que o escolheram, será um aprofundamento do fundamentalismo. Resta saber como o farão. Se optarem pela via fácil de aumentar a intransigência sem nada de concreto aprofundarem, o catolicismo definhará lentamente, tornando-se numa seita de fanáticos. Ou então serão fundamentalistas por voltarem aos fundamentos de Cristo, procurando o verdadeiro amor que este pregava, longe de questões políticas e de julgamentos impiedosos. Neste caso, o catolicismo podia tornar-se numa verdadeira religião.


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quarta-feira, abril 20, 2005

O novo Papa (2)


Penso que o poder de João Paulo II era mais simbólico que real, nos últimos anos. O seu conservadorismo só era seguido por poucos “fiéis”, quando a maioria ansiava por uma transição para a “modernidade” em breve. O conservadorismo em relação à moral sexual foi largamente ignorado. As posições pacifistas serviam para todas as leituras. A extrema-esquerda via um aliado contra os americanos e Rumsfeld, em entrevista, mostrava total acordo com o Papa simplesmente com a argumentação de que a intervenção no Iraque visava a obtenção da paz.

Numa análise simplista, João Paulo II parece ter agido em direcções contrárias. Mostrou abertura a outras religiões, pediu desculpa pelos erros da igreja, reconheceu o trabalho científico. Mas depois há a parte do conservadorismo que parece que estragou a pintura. A determinada altura, o politicamente correcto passou a exigir uma igreja católica que fosse liberal em termos de costumes. Muitos alertaram para o risco de se perderem fieis porque as pessoas não iriam aguentar os sacrifícios pedidos.

Mas vamos supor que assim acontecia. O catolicismo já é essencialmente uma religião de “não-praticantes”. Ao católico não é exigido quase nada. O catolicismo faz vista grossa aos cultos pagãos, como a devoção aos santos e o culto mariano. O Vaticano encontra-se longe dos padres que contactam com as pessoas, longe da realidade. E longe de tocar o coração do comum dos mortais. Torna-se quase impossível transmitir uma mensagem mais profunda, autenticamente religiosa.

Se o Vaticano cedesse no seu conservadorismo, o que restaria? Qual seria a diferença entre um católico e qualquer outra pessoa? O conservadorismo da igreja católica dá a certeza, mesmo que inconscientemente, que é um “lugar” onde ainda existem valores. A lassidão de costumes que se pede é uma ilusão. Hoje em dia só é cristão quem quer. Seria um erro tremendo o catolicismo colocar-se numa prateleira de um centro comercial, adaptando constantemente o seu marketing consoante as tendências de mercado. É algo que a igreja não sabe fazer e seria a sua morte.

Pode parecer estranho, mas o catolicismo tem muito mais a ganhar se pedir sacrifícios, dor e privações. O grande desafio é fazer com que estas coisas não sejam um fim em si mas parte do caminho para algo mais elevado

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O novo Papa (1)


Se o novo Papa tivesse tomado posse há uns anos atrás teria também eu juntado-me ao coro de críticas (mas não aos insultos grosseiros) que agora vemos um pouco por toda a parte. Devido a esse meu “trajecto” seria de esperar que dissesse que os compreendo, assim em tom meio paternalista. Mas a verdade é que não compreendo mesmo...

Porque há uns 10 anos atrás tinha algum fervor anti-cristão, motivado pelo conhecimento de páginas negras do cristianismo, pelo domínio desta “religião” que paralisou a evolução europeia durante 1500 anos, por um moralismo hipócrita e autoritário que ainda se fazia sentir na altura e que me limitou a liberdade algumas vezes e, finalmente, pela descoberta de visões da realidade muito mais atraentes que as propostas pelo catolicismo convencional e que não caiam no facilitismo.

Nos últimos anos, a minha relação com os cristãos apaziguou-se. Estes parecem ser mais reservados, entraram em clausura e deixaram de ser evangelizadores à força. Mas como acontece quase sempre, os vazios de poder são preenchidos muito rapidamente. Os novos evangelizadores vieram do quadrante oposto, da extrema-esquerda, juntos aos psedo-pacifistas e aos psedo-ecologistas. Para estes, um novo Papa conservador é uma ameaça ao poder entretanto conquistado.

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segunda-feira, abril 18, 2005

Um mundo em mudança (8)


HIPOCRISIA E ARROGÂNCIA

Digo a uma jovem, pela internet, que a hipocrisia hoje é menor que antigamente. Apercebo-me da dificuldade de conseguir passar esta ideia. É difícil explicar uma mudança quando outra se lhe opõe. Lembro-me das pessoas mais honestas que não tinham medo de dizer o que pensavam, muitas vezes com humor, e que eram raras há uns anos atrás. Esperava-se pelo virar de costas para fazer um pouco de má língua.

Nos últimos anos tenho sentido um aumento na frontalidade dos portugueses. Daí achar que estamos menos hipócritas. Era essa uma das críticas sociais mais frequentes, a da hipocrisia, que agora começa a ser rara em comparação. Mas o reverso da medalha é que a diminuição da hipocrisia conduziu ao aumento da arrogância. Há quem goste de trabalhar com arrogantes, porque dizem ser pessoas que não querem ver o seu trabalho mal visto e por isso darão tudo por tudo.

Estas mudanças parecem-me ser uma questão de tempero, um novo equilíbrio fruto da maior liberdade disponível. O que me deixa um pouco desconcertado, apesar de não constituir grande surpresa, é essa liberdade ser usada precisamente para se ser ainda menos livre, tantas vezes. Talvez isso parta de uma ilusão tantas vezes propagandeada, de que a liberdade se afirma tomando partindo, aderindo a causas, tendo opinião. Claro que a liberdade deve permitir estas coisas, mas elas acabam por ser com frequência instrumentos com que os demagogos alinham os seus peões.

Acho que o ponto crítico é quando se toma posição antes de nos inteirarmos sobre o assunto. Muitos o fazem por serem limitados intelectualmente, e não terem possibilidade de perceber o que se trata. Mas a nossa intelectualidade mostrou-nos que também começa a casa pelo telhado, toma posição e depois elabora argumentos mirabolantes para a sustentar. Não consigo explicar esta tendência humana de defender as suas ideias de forma mais aguerrida do que se fosse a defesa dos filhos. Sempre achei que as ideias eram apenas uma forma de ir desvendando a verdade, e não um fim em si. Contudo, este mundo em mudança mostrou-me que andei a ser lírico, que nada disto faz muito sentido para a esmagadora maioria.

Por isso, tornou-se inconsequente debater o que quer que seja, a não ser que estejamos em presença de pessoas que aceitem as “regras do jogo”. Que se deve partir de factos ou premissas sólidas, desenvolvendo raciocínios lógicos a partir desta matéria base sem ceder às bem conhecidas falácias. Esta metodologia viu-se relegada apenas para algumas especialidade académicas (nem todas...) e no mundo real deixou de ter sentido. Quando apresentamos matéria de facto, dizem-nos que isso não passa da nossa opinião, quando raciocinamos com lógica, trazem argumentos emocionais ou que tenham peso na conjuntura do momento, mesmo que sejam reconhecidas mentiras.

Posso parecer negativo neste aspecto. Isso advém de ser cada vez mais raro encontrar pessoas sinceras, que saibam abrir mão, que saibam escutar.

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quarta-feira, abril 13, 2005

Um mundo em mudança (7)


AS CAIXAS QUE MUDARAM O MUNDO

São incontáveis as vezes que ouvi a expressão “a caixa que mudou o mundo”, que sempre me deixou meio incomodado, sem saber bem porquê. Contam os mais velhos que as estrelas de cinema actuais nada têm a ver com as do passado. O cinema perdeu o seu glamour quando quebrou-se o seu monopólio de “sedução” para as grandes massas. Apesar dos orçamentos por filme terem aumentado continuamente, os meios técnicos à disposição serem incomparavelmente superiores, tal não serviu para manter o poder de fascínio do passado. A culpa é da concorrência, e a que deu mais luta e ganhou a batalha foi a movida pela televisão.

A televisão tentou criar as suas estrelas, e de certa forma conseguiu-o enquanto as estações eram poucas. Com a multiplicação de canais, e o aparecimento do cabo, a pulverização dos públicos deu origem a uma batalha pelas audiências, em que se luta momento a momento pelo share de um determinado programa. Assumia-se que, para o melhor e para o pior, a televisão tinha chegado para ficar e mudar os hábitos das pessoas para sempre. A TV poderia mostrar em qualquer aldeia isolada lugares nunca vistos, imagens da Lua, provocações sexuais, hábitos diferentes. A televisão teve mais recentemente a sua imagem amaldiçoada, acusada de provocar a violência e quase todos os males da sociedade.

A grande ilusão da televisão foi a de nos ter convencido que nos dava algo realmente novo. Isto porque um aspecto do fenómeno nunca foi posto em causa, que é o de quem fornece os conteúdos. Neste aspecto, a TV manteve a mesma tradição dos livros, cinema, teatro, ópera e outras manifestações culturais, em que os espectadores eram essencialmente passivos (no máximo, atentos). Independentemente da qualidade dos programas, o conteúdo da programação é algo que o espectador tem de aceitar. Nos últimos anos, o peso dos espectadores aumentou consideravelmente, com a programação bastante influenciada pelas audiências e com o aparecimento de programas baseados em pessoas comuns. Revoltaram-se os arautos da desgraça, anunciando que se tratava de mais uma machadada nos valores e na dignidade da pessoa.

Mais uma vez, foi a ilusão de que haveria algo de fundamentalmente novo. Contudo, o espectador individual ainda “tem” de ver aquilo que lhe dita a maioria, continua a ser essencialmente passivo. Enquanto isso, milhões de conteúdos iam florescendo e sendo colocados numa extensa rede de computadores mundial, da qual a internet é a mais significativa em termos de peso. Pela primeira vez, qualquer pessoa pode ser um fornecedor de conteúdos para qualquer outra pessoa, em qualquer parte do mundo. Tal deu origem a uma comunidade de desconhecidos caótica, sem margens definidas, que necessitou algum tempo de habituação até surgirem novos padrões reconhecíveis.

A internet mostrou-se como uma forma eficiente de comunicação, de divulgação de conhecimento, informação e, mais recentemente, também de comércio. Mas a grande mudança penso que se tratou de tornar obsoleta a prática de existirem elites que podiam manipular o qu era dado a todos os outros. É um processo que agora se inicia e que ninguém saberá que desenvolvimentos poderá dar. Daqui a alguns anos, a maioria das pessoa, já habituadas a uma maior liberdade, poder de intervenção e mudanças contínuas, achará enfadonhos os conteúdos televisivos que primam pelas receitas estereotipadas, sem grande possibilidades de interactividade. O futuro da televisão, bem como de outros meios, só será possível quando existir uma integração plena com a internet, em que cada um define a sua programação e poderá fazer parte dela.

Tal faz-se com mudanças pequenas, que vistas isoladas parecem nada querer dizer, algumas até em sentido contrário. Talvez isto seja a morte dos grandes espectáculos e dos produtos de massas. Penso que os artistas talentosos irão persistir, já não estrelas milionárias, adoradas por ignorantes iludidos. Terão públicos diferentes, mais selectos, quem sabe mecenas de várias partes do mundo que nunca conheceram pessoalmente. A quebra dos monopólios é uma das consequências da liberdade (apesar de não ser uma obrigação). Não tenhamos medo disso.

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terça-feira, abril 05, 2005

Um mundo em mudança (6)


CARISMA

O Papa que agora nos deixou, e está mais presente que nunca, paradoxalmente, é um exemplo de carisma. Contudo, “devemos” também olhar para os fenómenos que agora acontecem como derradeiros da sua espécie. Presumo que seja impossível, daqui a 10, 15 anos, fazer crer às novas gerações que milhões de pessoas afluíram a Roma para despedir-se do Papa.

Convém recuar um pouco e estabelecer bem as bases sobre as quais assenta esta previsão. Carisma é um conceito religioso que fala de uma graça concedida por Deus. O termo foi popularizado por Weber, que o utilizou para interpretar as relações de poder. Os homens carismáticos facilitam as relações do poder, na medida em que os comandados aceitam voluntariamente as indicações daqueles que reconhecem como líder. Os teóricos afirmam que o carisma conduz à popularidade e não o inverso. Contudo, o futuro mostrará que será difícil encontrar pessoas carismáticas.

A minha previsão assenta na maior liberdade que as pessoas têm e terão cada vez mais. Um líder carismático necessita de ter sob sua alçada um grupo de pessoas que partilhem dos mesmos valores e desígnios. Contudo, a tendência que se verifica é a de cada pessoa ter os seus próprios valores, objectivos e metas a alcançar. Torna-se quase impossível, neste contexto, alguém conseguir falar uma linguagem que seja universal.

Essa tendência já está a ocorrer. Constato-a em vários exemplos, de pessoas que conseguiam há uns anos atrair uma vasta gama de admiradores, mas agora parecem não ter o mesmo poder de atracção. Poderá parecer que se tratam casos de perda de capacidades, contudo, em alguns casos vê-se que é precisamente o contrário. Só que as pessoas hoje em dia não têm a mesma necessidade de orientação, não reconhecem a autoridade com facilidade. São mais arrogantes, mais seguras, procuram mais, abrem mão com mais facilidade.

Olhando para aquilo que fizeram certos líderes carismáticos (muitos deles ditadores), dificilmente podemos defender que o desaparecimento do carisma é negativo. Facilitava as coisas, tornando-as mais estáveis mas também potencialmente mais perigosas. Perdemos em estabilidade, ganhamos no potencial de cada um poder progredir mais por si mesmo.

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