quarta-feira, dezembro 28, 2005

Dois mundos irreais

Será toda a existência o sonho de um génio louco? É a sensação que fico ao ver os media tradicionais, especialmente a televisão, depois de passar semanas sem lhe prestar qualquer atenção. A minha fonte de informação são os blogs quase em exclusividade. Por isso ganhei maus hábitos, diria mesmo hábitos anti-sociais. Habituei-me, por exemplo, a que cada decisão política e económica fosse questionada nos seus méritos e deméritos. Pior que isso, que o ponto de vista liberal fosse tido em consideração. E quais as consequências? A política e a economia deixaram de ser questões religiosas, deixei de ter pudor em questionar as crenças dominantes. Obviamente que para manter os amigos e não ser apedrejado na rua tenho de esconder esta terrível verdade de todos.

Mas confesso que, por vezes ,fico receoso de entrar num estado de contradição interna que me pode levar a algum estado de demência irrecuperável. As contradições entre o mundo dos blogs e o mundo dos media tradicionais são tantas que fico indeciso sobre em qual acreditar. Por exemplo, nas televisões Mário Soares é uma pessoa credível, que não diz barbaridades, que não se baralha todo, uma senador impoluto. Nos blogs (alguns) Soares é quezilento, arrogante, confuso, quase demente. Em que versão acreditar?

Ou então Louçã, que na TV é sempre eloquente, bem pensante, moderno, justo, equilibrado, mas nos blogs (alguns) não passa de um hipócrita, mentiroso compulsivo, demagogo, irresponsável. Ou sobre a Europa, que na TV é o continente mais avançado do mundo, moralmente superior, mais justo que os EUA, ameaçado pelos malvados chineses e Indianos, enquanto nos blogs (alguns) a Europa é um continente velho, esclerosado, que não soube adaptar-se aos tempos, que esconde a sua cobardia atrás de grandes valores morais (que não cumpre), que mostra egoísmo com estúpidas medidas proteccionistas, etc.

A lista poderia continuar, mas para bem da minha sanidade mental é melhor parar. Até há uns anos atrás pensava que só existia um universo (ou mesmo existindo vários, só poderíamos ter acesso a um), e nesse sistema a verdade não era relativa, dela emanando uma lógica baseada em factos e que permitia raciocínios sem falhas desde que não se entrasse em contradição com as leis elementares. A realidade era portanto, não-dual. Tudo isto agora foi posto em causa, não sei se a minha alma poderá voltar a ter sossego nesta ambiguidade sem solução à vista.


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sábado, dezembro 24, 2005

O regresso do menino Jesus

O país está a ser invadido por Pais Natal minúsculos que andam a escalar paredes de habitações. Não sei bem explicar este fenómeno, que está a atingir proporções quase idênticas ao das bandeiras durante o euro (este com uma óbvia explicação, quer se tenha aderido ou não). Já não bastava o consumismo natalício, que todas as boas consciências fazem questão de denunciar (outro fenómeno que não entendo), vem agora mais uma moda sem sentido que torna o Natal mais pagão ainda.

Aparentemente, acrescento eu. Penso que o Natal se tornou numa época que ganhou 2 significados. Para além deste, das prendas e do exibicionismo, o catolicismo parece ter ganho nova força. Estranho para alguns, que já consideravam a ICAR uma instituição em vias de extinção. O ressurgimento do catolicismo está a fazer-se lentamente e de forma quase secreta. Jovens com ar normal enchem algumas igrejas. Pessoas de uma ou duas gerações posteriores voltaram a ganhar interesse pela igreja. Não se limitam a ir à missa, vão a reuniões para melhor compreender as escrituras.

Não tenho números, não sei se esta re-evangelização está de facto a ocorrer um pouco por todo o lado ou se estou a ser influenciado por alguns exemplos excepcionais.

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terça-feira, dezembro 06, 2005

Porque razão sou cristão, ateu e budista

Nos tempos que correm começa a ser difícil fazer a distinção entre católicos e não católicos. Não me refiro à cristandade em geral porque penso apenas no caso português. Agora dizem-nos que não há essa coisa de “católico não-praticante”. Muito bem, isso quererá dizer que vão deixar de nos dizer que 80% dos portugueses são católicos mas sim apenas 15% (números atirados para o ar sem grandes preocupações de rigor)? O argumento da esmagadora maioria dos portugueses serem cristãos é utilizado para defender a deferência que se dá a esta igreja e relações priviligiadas com o Estado. Mas é curioso que algumas pessoas que defendem este tipo de argumentação, quando confrontadas com a tibieza de costumes do católico típico, dizem-nos que isso não é cristianismo a sério, que em Portugal é apenas apanágio de uma reduzida elite.

Talvez para não serem confundidos com os católicos não praticantes, nota-se um incremento dos ateus militantes. É curioso que estas vozes “corajosas” só apareçam em força quando a liberdade de expressão já é um dado adquirido e, mais que isso, o alvo das suas atenções, a ICAR, se encontra debilitada. Numa altura em que a maioria das pessoas tem vergonha de dizer “Até amanhã, se Deus quiser”, ser ateu militante é mais uma prova de arrogância do que de outra coisa qualquer. Percebo que os fracos, incapazes de criar os seus próprios valores, se entreguem facilmente a uma seita anti-qualquer coisa (anti-cristianismo, anti-capitalismo, anti-globalização, anti-americanismo, etc.).

Na última “National Geografic” há um artigo sobre a disseminação do budismo no ocidente. Ou melhor, daquilo que os ocidentais pensam ser o budismo. Alguns pensam que o sucesso que o budismo vem tendo se deve à falhas do cristianismo. O cristianismo exige uma crença, é austero, tem proibições. O budismo não exige crenças, fala de compaixão, não tem noção de pecado. Mas isto é apenas parte da coisa. Pobres iludidos os que pensam que ser budista é recitar uns sutras, vestir uns hábitos orientais e falar em compaixão. Pensam ainda que o budismo lhes pede o afastamento do mundo, leva a negar a sociedade moderna, reforça a adesão às causas pacifistas, etc. O budismo nunca sobreviveria 2500 anos com estas fórmulas facilististas e para ser realmente compreendido exige uma prática bastante dura. O que o ocidente irá perceber é que se levar o budismo realmente a sério irá redescobrir também a sua herança cristã.


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