terça-feira, maio 29, 2007

Civilização e religião (5)

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA – 3ª PARTE

Uma das ideias mais famosas de Nietzsche diz que não há verdades, apenas interpretações. É espantoso que tão poucos tenham percebido a ironia, já que a afirmação só pode ser verdade se o não for. Tudo passou a ser uma questão de ponto de vista e exprimir essa ideia pueril, das mais diversas formas, é tido como algo altamente inovador. Há versões para todos os gostos, desde as rebuscadas teorias de Foucault, que afirmam que o que tomamos por verdades são um «epistema» do discurso dominante, até às efabulações feministas, que asseguram-nos que a sexualidade e o género são meras construções sociais, sendo o extremo a denúncia da famosa equação de Einstein (E=mc2) por Luce Irigaray como sendo parte de uma física machista.

Os currículos que se focavam no estudo da cultura ocidental eram imparciais e apolíticos, na medida em que quem os frequentava não iria ter a sua ideologia determinada. Já os novos currículos, com a ênfase na perspectiva, são assumidamente políticos, começando logo por ter por principal desígnio a denúncia da cultura ocidental por supostamente ser sexista, racista, homofóbica, etc. Apesar de assumirem uma veia crítica, os proponentes das teorias “da perspectiva” não admitem qualquer criticismo em relação a si mesmos, não hesitando em “purgar” os não-alinhados.

O máximo que podem admitir sobre a imparcialidade dos antigos currículos é que se trata de uma imparcialidade ocidental, que bloqueia outros pontos de vistas. Mas podemos também perguntar até que ponto estes modernistas libertaram-se eles mesmos do lastro ocidental. Em que outra parte do mundo, sem ser no mundo ocidental, vemos activistas do feminismo, direitos dos homossexuais, da libertação sexual, etc. a poder expressar-se livremente e a ter real poder de influência na sociedade?

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terça-feira, maio 22, 2007

Civilização e religião (4)

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA – 2ª PARTE


Tenha-se em atenção o seguinte excerto, de autoria de Gayatri Chakravarty Spivak:

The rememoration of the “present” as space is the possibility of the utopian imperative of no-(particular)-place, the metropolitan Project that can supplement the post-colonial attempt at the impossible cathexis of place-bound history as the lost time of the spectator.

Aqueles que possuem um domínio modesto da língua inglesa não devem ficar frustrados por terem tido dificuldades em perceber o que acima se transcreveu. A frase é objectivamente incompreensível. Depois de Alan Sokal e Jean Bricmont terem escrito “Intellectual Impostures” deixou de haver receio de rir deste tipo de elucubrações sem sentido. Estes autores, de simpatias socialistas, acreditam que a melhor forma de transmitir as suas convicções esquerdistas acontece através da via racional e objectiva. Mas quando se adopta este caminho e se encontra um adversário com um mínimo de talento, as ideias socialistas acabam por ser desmontadas com relativa facilidade.

A utilização da linguagem obscura e pretensiosa (“Gobbledygook”) é uma forma muito mais eficaz de transmitir e proteger as crenças de esquerda. Apesar de parecer um contra-senso, verifica-se no mundo intelectual uma espécie de Lei de Gresham (a má moeda expulsa a boa moeda). A sobrevivência e propagação deste tipo de teorias que a modernidade nos trouxe depende de uma concepção que torna o seu escrutínio impossível ou muito difícil de realizar. A refutação de uma teoria torna-se indesejável quando ela está impregnada de uma postura política largamente aceite. Contudo, a própria refutação torna-se impossível quando essa teoria cria à sua volta uma muralha inexpugnável de “nonsense”.

Vejamos com mais atenção o exemplo acima citado. É preciso assumir um contexto em que tantos os autores das modernas teorias literárias como os seus potenciais leitores acreditam que a cultura ocidental é pesado fardo cuja remoção é essencial fazer. A teoria exprime isso através de pistas, no exemplo em questão as referências ao imperativo utópico, a um projecto metropolitano, a uma tentativa pós-colonial. Por outro lado, a linguagem utiliza uma série de estratagemas, como a invenção de palavras (“rememoration”), importação indevida de tecnicismos (“cathexis”), citações inexplicáveis (“present”), parênteses inesperados (“no-(particular)-one”) e referências a abstracções como espaço e tempo que neutralizam o processo normal de raciocínio. Tratam-se de teorias teológicas e não científicas porque não estabelecem nenhuma ideia concreta, antes, assumem-na e protegem-na contra o escrutínio da razão.


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terça-feira, maio 15, 2007

Civilização e religião (3)

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA – 1ª PARTE

Os próximos posts resumem a palestra “Culture Matters”, de Roger Scruton.

Havia esperança na reconstrução da Europa depois do término na Segunda Guerra Mundial porque as nações, tanto as vencedoras como as derrotadas, tinham sido moldadas por dois mil anos de cristianismo e direito romano. Comunismo, fascismo e nazismo eram vistos como traições a essa herança cultural e o essencial era voltar a recuperá-la. Esta mentalidade estava presente nas pessoas que estabeleciam os currículos universitários das áreas humanas, apontando-os para a cultura ocidental.

Trata-se de uma herança multifacetada que joga uma dialéctica entre a fé cristã e o cepticismo iluminista e a apreensão de ambos permite elaborar uma síntese que os transcende. Este consenso em redor da importância da cultura ocidental não criou um exército de intelectuais a falar a uma só vez, pelo contrário, cada um acabaria por seguir uma tendência específica, alguns optando por estudar as criações inspiradas na fé, outros dando à ciência uma importância central. Em termos políticos esta formação base não impediu o surgimento de socialistas, liberais e conservadores, porque a política ainda era vista como matéria de opinião e a cultura uma forma de conhecimento superior, indispensável para conhecer o sentido da vida se abordada a partir de uma postura crítica que, ao mesmo tempo, impediria a degradação dessa mesma cultura. O foco na cultura ocidental acabava por abrir caminhos para universalismo, lembrando apenas nomes como Mahler, Vang Gogh ou Pound que faziam a ligação ao extremo oriente.

Esta forma de educação, aberta tanto à crítica como ao enlevo, era sentida, após a alienação da adolescência, como a entrada numa catedral, um local de julgamento, discriminação e alusão, onde tudo passa a estar carregado de sentido. Apesar da conotação religiosa, tratava-se de uma abordagem onde os não crentes sentiam-se igualmente tocados sem a sensação de submissão a um programa ideológico.

O panorama actual na maior parte das universidades alterou-se radicalmente. A cultura ocidental ainda é um tema importante mas passou a ser vista como agressiva, culpável e estranha em relação ao mundo actual. O professor acha que a sua principal missão e instigar o aluno contra a sua própria cultura e propor um dos inúmeros métodos alternativos, cuja prodigiosa variedade parece apenas confirmar que a cultura «clássica» agrilhoava toda esta saudável efervescência. É o neo-marxismo (Frederic Jameson), o estruturalismo (Roland Barthes), o pós-estruturalismo (Michel Foucault), o desconstrucionismo (Jacques Derrida), o pós-modernismo (Jean-François Lyotand), o neo-historicismo (Stephen Greenblatt), o pós-colonialismo (Eduard Said), o neo-pragmatismo (Richard Rorty), a que se juntam as teorias “queer” e feministas.

Uma tão grande profusão de correntes em poucas décadas não se deve certamente a um surto de genialidade mas a um excesso de auto-convencimento. Se ao invés da busca sobre o que diferencia estas correntes procurarmos os pontos que têm em comum, a variedade esvai-se num ápice, logo à cabeça com o desígnio comum de combater a cultura e a civilização ocidentais. Outras características comuns revelam-se na linguagem obscura e pretensiosa e num programa político subjacente.


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terça-feira, maio 08, 2007

Religião e civilização (2)

CIVILIZAÇÃO E CULTURA

Antes de prosseguirmos, convém fazer alguns comentários sobre civilização e cultura, para que se estabeleça o contexto implícito nas reflexões que se seguirão. A forma mais simples de relacionar cultura com civilização é fazê-las coincidir. O grau de civilização de um país estaria relacionado com o afastamento que tinha em relação à natureza. Esta mentalidade, adaptada aos tempos do orgulho colonialista, veio a ser contrariada pelo mito do bom selvagem. No entanto, o paradigma não se alterou, apenas as conclusões mudaram de sentido e, em grande parte, até hoje permanecem.

Por agora importa delimitar a humanidade em termos de civilizações e relacioná-las com as culturas. Actualmente tem algum sentido falar numa única civilização humana já que quase não existe sociedade que se possa considerar isolada ou, pelos menos, impermeável às influências exteriores. Mesmo regimes fechados, como Cuba ou Coreia do Norte, não se livram de algumas pressões exteriores. A própria existência de um «exterior» e do seu conhecimento provocam alterações internas, que se tornam mais visíveis com os dissidentes. Esta «civilização global» devia, sobretudo, alertar para a perigosidade desta possibilidade já que serão sempre mais as pressões para que esta globalização seja política em vez de unicamente económica, ou seja, ir no sentido de limitar as liberdades e não de as promover.

Mas para uma análise mais rica de outros fenómenos convém esquecer, excepto menção em contrário, a «civilização global». Originalmente uma civilização compreendia o conjunto de sociedades que eram governadas pela mesma lei, normalmente cidades-estado, países e, no limite, impérios. Mais tarde começou a fazer sentido falar de civilizações com um fundo religioso (mesmo que na prática a ordem tenha sido inversa), a civilização cristã, islâmica e, teria muito sentido, civilização budista, que influenciou grande parte do extremo oriente.

Mais recentemente tenta-se encontrar no «ocidente» um conceito vais vasto de civilização. Se bem que em termos estritos o ocidente refere-se à parte do mundo influenciada pelo modelo cultural europeu, que inclui as heranças helenística, cristã e judaica, também se entende como o conjunto de países que se regem pela democracia liberal e, desta forma, países como o Japão e Coreia do Sul passarão também a constar.

Para o tipo de análise que aqui é feito opta-se por não utilizar nenhum dos limites anteriores. Está implícito um conceito de civilização europeia que se baseia, propositadamente, num aspecto a confirmar: o suicídio civilizacional. Separa-se a Europa do restante ocidente ao assumir a hipótese de que se tornou um continente que renunciou voluntariamente às suas origens, não só ao cristianismo mas a praticamente a toda cultura pretérita. É uma recusa provocada por algumas elites de indivíduos que não se sentem bem consigo mesmos, mas que têm uma enorme capacidade de influenciar, pela negativa, as massas. São estas elites que fazem, desde logo, passar a ideia que as massas são incultas e que não têm nada a ensinar mas devem, apenas, limitar-se a aprender e só aquilo que eles têm para ensinar. Estes intelectuais, depois de desvalorizarem o conhecimento disperso por toda a sociedade, criam uma base de trabalho para construir uma nova sociedade e, desta forma, tornam-se os principais obreiros do suicídio civilizacional. Trata-se de um movimento que se verifica nível global mas a Europa distingue-se por ser o local onde é menor a oposição a este «progressismo».

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