terça-feira, janeiro 30, 2007

Indícios do suicídio civilizacional (I)

A forma mais directa de detectar evidências do suicídio civilizacional em curso é observar a atitude geral em relação aos dias que estão para vir, não só para nós mas sobretudo para as próximas gerações. Se uma civilização está pouco atenta ao futuro e, pior ainda, teima em ignorar, quando não ridicularizar, as chamadas de atenção repetidas e fundadas que apontam para resultados preocupantes, está no mínimo a cometer suicídio por omissão.

Vamos supor que determinada civilização despreza a preservação da sua identidade cultural, insiste em manter sistemas sociais inviáveis, abandona qualquer noção de autoridade e não vê necessidade em se defender de ameaças exteriores. Ou seja, uma civilização que abdicou dos planos espiritual, social e militar. Essa civilização hipotética está condenada ao aniquilamento, que pode ocorrer de várias formas. Poderá ser conquistada por outras civilizações e depois exterminada ou escravizada. Poderá definhar lentamente, resultado das incoerências sociais, que darão origem a crises demográficas, económicas e de segurança. Este definhamento poderá conduzir a uma desagregação global, em que deixa de existir uma ideia comum, num retrocesso a um tribalismo em que manda a lei da força. Caso exista um caldo de cultura suficiente, a degradação suscitará uma mudança violenta de poder, que irá salvaguardar uma ideia de unicidade. Nestas condições, a unicidade só conseguirá ser mantida pela coerção de um regime ditatorial, que terá um pendor reaccionário ou revolucionário, consoante as características dominantes da civilização em causa e do equilíbrio de forças dos principais actores.

Por último temos a ruína causada pelo estilhaçamento da identidade cultural. É a mais subtil de todas as formas de desagregação mas, uma vez começada, é praticamente impossível invertê-la. Como dura várias gerações e não constitui um movimento uniforme e totalmente previsível, a maior parte das pessoas nem dá pela sua ocorrência. Mas, por outro lado, é fácil confundir esta degradação cultural com as mudanças naturais que as sociedades sofrem e que são recordadas de forma nostálgica por aqueles que recordam um passado idealizado mas que nunca existiu. Pelo contrário, a elisão da identidade cultural é o desgaste, quando não supressão, do que é «essencial» e não do «acessório» que, pela sua própria natureza, está condenado a um devir sempre em mutação. A perda do «essencial» de uma cultura pode dar lugar a um espartilhamento de múltiplos «acessórios», ao ponto de se perder a noção de poder existir algo de «essencial». E assim chega o niilismo. Por outro lado, o «essencial original», resultado de séculos de acumulação de conhecimento e sabedoria, que se fixaram nos hábitos das pessoas e nos ritos das instituições de forma espontânea, pode ser substituído por «essenciais» concorrentes que, ao invés de possuírem um sustentáculo nas provas dadas no passado, têm a sua força nas ilusões futuras. Esta nova «essência», veiculada pelas grandes ideologias, rejeita o processo de optimizações locais, decididas e implementadas pelos próprios interessados. Ao fazer isso rejeita toda a ideia de civilização, propondo outra em troca, onde supostamente a planificação da felicidade do agregado irá terminar com todas as injustiças e libertar o homem. Para isso, há que abdicar de tudo e, inevitavelmente, da própria vida.


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terça-feira, janeiro 23, 2007

Será que faltam mulheres nos Grandes Portugueses?

Uma nota dominante sobre o programa a que refere o título é a alegada injustiça feita em relação às mulheres, especialmente por nenhuma estar presente nos 10 mais. Acontece que a votação não tinha como intenção corrigir as injustiças do passado, que é um dado adquirido. Todos sabem que as mulheres tiveram, em regra, um papel de menor protagonismo e ninguém as culpa por isso e são, antes, consideradas vítimas. Se as mulheres não podiam ser militares, não tinham direito a voto, não podem ser padres nem futebolistas a sério, poucas tinham direito à educação, como se pode esperar encontrar muitas mulheres empresárias, políticas, exploradoras, cientistas, etc?

Ao invés de aceitarem este facto, vários comentadores, e em especial a apresentadora, esforçam-se por censurar os votantes por não terem dado mais relevo às mulheres. Mas vejamos, estão 19 mulheres nas 100 escolhas, quase 20%, o que pelo menos os críticos admitem ser uma quantia bem melhor que a obtida noutros países. Num país com tantos séculos de história e tendo em conta que só nas últimas décadas as mulheres tiveram espaço para maior relevância, 19 mulheres é um número que só pode surpreender por ser tão elevado. E provavelmente injusto, já que algumas mulheres terão levado votos só pelo facto de serem do sexo afável.

Por exemplo, podemos considerar que a classificação no número 100 para Maria João Pires é demasiado modesta para uma das maiores pianistas da actualidade. Contudo, no campo da música erudita não há um único homem representado. Por outro lado, há duas fadistas, Amália e Mariza, mas nenhum homem representante da categoria. Temos também duas pintoras, Paula Rego e Maria Vieira, e apenas Almada Negreiros a contrapor. Dos seis poetas escolhidos, três foram mulheres. Num país dito de poeta, na maior parte homens, digamos que a proporção igualitária nos sexos só pode servir para abafar a classe hirsuta. Pense-se ainda no caso de Maria de Lurdes Pintassilgo, por mais simpatia que nos inspire a figura, a sua colocação na lista deve-se ao facto de ter sido a primeira mulher a exercer o cargo de Primeira-ministra. Não há aqui o menor indício de reconhecimento do mérito pessoal, qualquer mulher naquela situação arriscar-se-ia a ter o mesmo destaque. Por último, muitos portugueses ainda reconheceram méritos em Brites de Almeida, mais conhecida por Padeira de Aljubarrota. Mais uma vez há um certo paternalismo em ver grande valentia numa mulher que supostamente matou 7 castelhanos, se fosse um homem teria sido apenas a sua mera obrigação.

Maria Elisa e outros redutos do politicamente correcto não se conformam com esta ausência feminina. Pelo contrário, até penso que os portugueses reconheceram de forma generosa o papel das mulheres na sua História. Mas há ainda outro aspecto fácil de esquecer. Se as mulheres foram em grande parte impedidas de terem um papel de destaque, a vantagem é que também não há muitas que possam servir de figuras sinistras. Não é às mulheres que se assacam as culpas dos nossos falhanços, atrasos e atavismos. É bom que se tenha noção que grande parte do destaque que se pode ter é pela negativa.

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terça-feira, janeiro 16, 2007

Grandes portugueses

O programa da RTP acabou por me agradar mais do que poderia supor. Há logo um aspecto de catarse em recordar tantas figuras que remetem para tantos momentos das nossas vidas que não conseguimos, na maior parte, situar. Numa altura em que é frequente a ideia de que já quase nada há que nos ligue a uma ideia de Portugal, o desenrolar de 100 figuras, para uma das quais logo pensamos em 3 ou 4 alternativas, faz-nos ver a miríade de ligações que temos a este pequeno e velho país.

Mas as 100 escolhas acabam por ter várias surpresas, quer pelas figuras que incluem, as suas posições relativas e alguns excluídos. Ainda no sábado, o programa começou de forma que me pareceu adequada, apresentando várias concepções do que será um grande português. Imagino que a maior parte das pessoas acaba por ter duas concepções, uma sua e outra sobre o que imagina que terá sido adoptada pela maior parte dos votantes. E um grande português ou é/foi alguém que teve um grande relevo, mesmo que pela negativa, ou então alguém que, mesmo que com um protagonismo modesto, distinguiu-se através de feitos notáveis. Aos primeiros associa-se uma imagem de poder, aos segundos uma de virtude, sacrifício, coragem ou talento.

Onde não esperava surpresas era na (não) inclusão de compositores nesta lista. Se bem que nunca tivemos um vulto ao nível de um Bach, de um Mozart ou de um Beethoven, figuras como João Domingos Bomtempo, Carlos Seixas, Joly Braga Santos, Vianna da Mota, João de Freitas Branco ou Fernando Lopes-Graça poderiam ter ganho uma distinção internacional bastante interessante caso tivessem nascido no país certo. Já a inclusão de António Vitorino de Almeida ou Carlos do Carmo parecia-me natural, independentemente de ser justa ou não, pelo que estranho um pouco as ausências, atribuindo isso aos seus menores protagonismos mediáticos no presente. Se a distinção de Zeca Afonso seria mais ou menos inevitável, já Carlos Paredes, menos politizado, obtém uma boa classificação que considero bem mais relevante e justa.

Na áreas da ciência e medicina fiquei relativamente surpreendido com algumas escolhas. Não com a presença de António Damásio, que tem vendido bem por cá, apesar de supor ser pouco lido, nem de Egas Moniz, pelo seu prémio Nobel. Mas foi uma relativa surpresa ver a inclusão de Gentil Martins, Fernando Nobre ou Sobrinho Simões, imaginando que o “estigma” de salvar vidas causa uma forte impressão em muitas pessoas. Na área científica, e tendo em conta precisamente que não havia áreas obrigatórias a preencher, a grande surpresa foi mesmo Pedro Nunes. Mais de 5 séculos depois do seu nascimento e ainda mais na área da matemática, esta distinção parece contrariar a descrição dos portugueses como nem tendo memória nem qualquer apreço pelo raciocínio rigoroso.

A área da poesia é bastante curiosa. Num total de seis escolhas, metade foram para mulheres, com Natália Correia, Florbela Espanca e Sophia de Melo Breyner. Contudo, nos homens muitos poetas ficaram tapados por concorrentes bastante pesados como Camões e Pessoa, nos 10 mais, e ainda Bocage. Já a literatura ficou apenas a cargo de homens, com Eça de Queiroz, José Saramago, Miguel Torga, António Lobo Antunes e Almeida Garret. De todos, apenas considero o Eça indiscutível, podendo ser incluídos vários outros em substituição sem perda de qualidade. Em termos alargados, também poderíamos incluir nesta categoria Gil Vicente e Fernão Mendes Pinto, se bem que a sua relevância tenha também muito a ver com as vidas que viveram.

Entre reis e rainhas penso que ficaram bem assinalados os marcos fundamentais da nação lusa, desde a sua fundação com D. Afonso Henriques até a queda da monarquia com D. Carlos I. Na eleição de augustas pessoas é sempre difícil separar as verdadeiras personagens das alturas históricas em que se inseriram, e o voto pode ter uma representação bem mais simbólica do que real. Contudo, as personagens escolhidas mostram que ainda existe um certo conhecimento da longa história do país, dos seus altos e baixos.

Já as classificações no desporto são relativamente modestas. Todas, sem excepção, Carlos Lopes, Rosa Mota, Cristiano Ronaldo, Figo, Eusébio e até Mourinho. Até Eusébio e Mourinho podiam estar nos 10 mais. Porque razão não estão? Penso que, por mais admiração que ganhem estas figuras, numa análise mais ponderada o desporto acabará por ser visto como uma área de uma certa futilidade comparada com outras.
Penso que não será necessário explicar as razões não considerar Vitor Baía e Pinto da Costa escolhas resultantes de méritos desportivos.

A escolha dos políticos parece-me bastante inclusiva. O facto de ser uma votação pela positiva possibilita a inclusão de todo o tipo de figuras contraditórias. Duas notas de alguma estranheza, a não inclusão de Ramalho Eanes, algum destaque para José Sócrates e a presença de Jorge Sampaio. Sem dúvida que o actual primeiro-ministro causa fascínio em muitas pessoas, mas parece-me incompreensível que alguém tenha votado em Jorge Sampaio. Já o reconhecimento de Fontes Pereira de Melo parece-me justo se bem que pouco esperado, tal como não esperava encontrar o empresário Alfredo da Silva mas apenas António Champalimaud e Belmiro de Azevedo.

Talvez a maior surpresa seja a lista dos 10 mais. Claro que à medida que o programa ia decorrendo fui percebendo quais seriam alguns dos eleitos. Mas à partida as figuras que não teria dúvidas, das presentes, seriam Salazar, D. Afonso Henriques, Camões e o Marquês de Pombal. Não por serem as minhas escolhas, mas por intuir que seriam algumas das mais votadas. A inclusão de Fernando Pessoa, Vasco da Gama e Álvaro Cunhal não me surpreendeu por aí além, mas esperava antes figuras como Amália, Mário Soares ou mesmo Eusébio. Penso que há aqui também um efeito que penalizou estes últimos quando muitos não votaram neles pensando que já estavam garantidos. A presença de Aristides de Sousa Mendes é realmente inexplicável, não porque não merecesse o reconhecimento mas por me parecer incrível que este país o tenha feito.

De resto, os “10 mais” representam 4 símbolos, 4 pregos que nos agarram a esta cruz que é ser português. A fundação do país com D. Afonso Henriques, o auge dos descobrimentos com D. João II e o Infante D. Henriques, a esperança num salvador e o renunciar à liberdade com três reencarnações do D. Sebastião: Marquês de Pombal, Salazar e Álvaro Cunhal. Por fim, os dois maiores poetas cantam as glórias e as tragédias de Portugal.

É um exercício de alguma futilidade eleger o maior português de sempre. Imagino que o efeito de catarse obtido pelo desfilar dos 100 eleitos, que é um processo em grande parte inclusivo e despido de confronto, vá agora dar lugar ao espírito de barricada pela a eleição do “maior”. Alguma ténue esperança que se possa ter pelo futuro deste país é alimentada por ver que ainda há algum reconhecimento por outras figuras como o Padre António Vieira, Agostinho da Silva ou José Hermano Saraiva.

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terça-feira, janeiro 09, 2007

A necessidade de religião

Conseguem viver as pessoas sem religião? Era uma questão que se fazia com frequência e a própria ficou respondida ao deixar de ser colocada. As pessoas têm vivido sem religião e mais que sentir a sua falta, parecem ter-lhe cada vez mais aversão. Apesar deste afastamento “natural”, não é evidente que o indivíduo sem religião esteja melhor que anteriormente, mas não é sobre isto que me quero debruçar para já. A pergunta que faço é outra. Podem as civilizações sobreviver sem religião? A minha convicção é que não.

Entenda-se aqui civilização em termos restritos, como uma sociedade complexa que engloba em si valores de vária ordem, leis e instituições. O símbolo da civilização é a cidade, aliás, de onde deriva a palavra. A acumulação de riqueza, proporcionada também pela divisão do trabalho, possibilita a realização de uma vasta gama de actividades, que dariam origem à cultura. Alguns historiadores acreditam que um passo anterior necessário à formação de uma civilização é o acumular de poder bélico e de outros recursos numa elite. Sendo assim, a cultura de uma civilização, que engloba ideias, costumes, arte, arquitectura ou religião organizada, seria o resultado quase imprevisto de uma prévia acumulação de poder por uma minoria, seguida de uma acumulação de riqueza geral.

O problema desta concepção é dar demasiada ênfase à «coerção» em detrimento da «convicção» como forças actuantes. Não se pode arrastar pela força um grupo de pessoas rumo à civilização porque esta, em grande parte, vai sendo construída pelo trabalho voluntário de inúmeras pessoas. Várias gerações vão acrescentando camadas, tal como num recife de coral, que necessita de um substrato como base. E este substrato, por excelência, é a fé. Sendo assim, a religião não é um produto da civilização mas o inverso.

Em 2007 este blog irá converter-se à religião. Alguns assuntos a abordar nos próximos meses:

- Indícios do progressivo afastamento da realidade tendo como consequência o suicídio civilizacional.

- A religião e a construção das civilizações.

- Falsas religiões alternativas: socialismo e ecologia.

- A esperança no budismo. Uma sociedade que renega o cristianismo não poderá compreender o budismo.

- A oportunidade para uma nova revelação.

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quarta-feira, janeiro 03, 2007

O que não vai mudar em 2007

Tudo. Em 2007:

- As nossas escolas continuarão a ser centros de aprendizagem da delinquência e os pais ameaçar os professores que se dediquem ao verdadeiro ensino.

- Os portugueses continuarão a conduzir mal e de forma cada vez mais agressiva para com os peões. Irão também continuar a achar que isto é verdade mas cada um, felizmente, é a excepção.

- A Saúde continuará a degradar-se porque, devido ao pudor em se privatizar, será cada vez mais um sórdido negócio de quem vive à conta do Estado.

- A justiça continuará lenta, mas cada vez mais espectacular na medida em que não for conseguindo julgar os crimes mais mediáticos.

- Os políticos continuarão com o mesmo discurso repetitivo, trapaceiro e inconsequente. Os que forem diferentes serão, mais uma vez, acusados de não fazer “política” e aconselhados a ser como os primeiros.

- Os portugueses irão continuar à espera que a “Confiança” lhes bata à porta, enquanto os sacrifícios e o esforço deverão bater a outras.

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