terça-feira, agosto 19, 2003

A dignidade sobrevive ao fogo


Após todo o sensacionalismo e fala de senso posto pelos nossos jornalistas ao falarem dos fogos, a última coisa que queria era acrescentar algo sobre o assunto. Mas houve uma reportagem que me fez mudar de ideias. Um homem perdeu não só os seus bens mas também a mulher no fogo, não sei bem onde aconteceu porque não acompanhei desde o início. O que me impressionou foi a dignidade da pessoa, notoriamente sofrida, mantinha a contenção. Não pedia nada, descrevia o que tinha acontecido, não gritava palavras como inferno, catástrofe, horror... O jornalista ainda deu a entender, no comentário final, que o homem estaria mentalmente perturbado, por não estar a chorar. Para mim, pareceu-me perfeitamente lúcido, realista quanto ao futuro, ele e mais dois filhos, e como não deveriam sobrecarregar a filha com trabalho.
O jornalista não viu a dignidade da pessoa. Será que isso não lhe interessava?





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domingo, agosto 17, 2003

Chico César à imagem de Nietzsche


Os portugueses por vezes parecem ter ainda medo de uma Inquisição há muito desaparecida. Talvez por isso se possam alguns chocar por esta letra de Chico César, pertença do rico património da música popular brasileira (MPB).

Perto demais de Deus

tem gente perto demais de Deus
tem gente que não deixa Deus sozinho
e diz Deus ilumine seu caminho
e guarda Deus na cristaleira

Cristo perto dos cristais
Cristo assim perto demais
Cristo já é um de nós
carne e osso pão e vinho

tem gente que não deixa Deus em paz
tem gente incapaz de viver sem Deus
e o trata como um funcionário seu
Deus me livre Deus me guarde Deus me faça feira

Cristo dentro da carteira
dez por cento rei dos réis
Cristo um conto de réis
o garçom não à videira

essa gente é o diabo e faz da vida de Deus o inferno




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sexta-feira, agosto 15, 2003

A imagem dos brasileiros em Portugal


Sempre achei revoltante a forma como eram caracterizados certos grupos étnicos nos filmes americanos. Em particular, índios, negros e hispânicos eram, e ainda são muitas vezes, vistos como criminosos, delinquentes, idiotas. A caricatura resulta, mesmo que apenas no inconsciente, levando a identificar todo um grupo pelos exemplos cinematográficos.

De forma idêntica, em Portugal nos últimos anos, os brasileiros começaram a ser avaliados pelos papeis que vão desempenhando na TV. Numa série, filme ou talk show portugueses, se aparece um burlão palavroso, um fanático religioso, uma prostituta, o papel será quase sempre desempenhado por um brasileiro(a). Terá isto algum efeito? São os próprios brasileiros que dizem que no passado eram muito melhor recebidos por cá, sendo agora muitas vezes vistos com desconfiança. Não esqueçamos que os portugueses em geral desconhecem o que é o Brasil, identificando o país apenas pelo samba, calor, favelas e desigualdade social e ignorando a vitalidade da cultura brasileira, a força dos seus artistas, músicos, escritores, e até a sabedoria do povo.

Será este apenas um problema para os brasileiros resolverem ou será um defeito de Portugal que só consegue dar visibilidade ao lado negro das pessoas? A imagem de Portugal no Brasil também não é famosa, mas essa é outra conversa, por remeter a uma história mais antiga e de outra natureza.





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segunda-feira, agosto 11, 2003

Porque se come tão mal em Lisboa?


Dois restaurantes lado a lado, ambos de pequenas dimensões, ambos servem almoços a preços módicos - coisa vulgar em Lisboa. Imaginem que um deles tem boa comida, bom serviço, espaço adequado, bom ambiente. O outro o oposto, comida medíocre, mau serviço, espaço apertado e com muito barulho. Seria de esperar que este último restaurante estivesse vazio e mais tarde ou mais cedo tivesse de encerrar, mas não. Ambos os restaurantes terão o mesmo sucesso, ambos estarão cheios. E porquê? Porque as pessoas não têm critérios, não pensam, não sentem e, em última análise, não vivem.

Todos os dias, milhares de pessoas em Lisboa almoçam no mesmo restaurante de sempre, à mesma hora, sempre com as mesmas pessoas. Não querem ter o trabalho de se questionarem: «Não poderiam fazer diferente? Não podia ir almoçar a outro local?» Mas não fazem essa pergunta, porque sabem que seria a primeira de muitas incómodas e mais vale ir levando paulatinamente a sua depressão controlada. E se lhes perguntarem, porque razão comem naquele local tão deplorável, respostas não faltam: Para mim o comer até é bom; Não gosto da comida mas venho aqui por causa do café; Fica mesmo ao lado do trabalho; Já estou habituado...

Os bons restaurantes não são premiados, os maus não são castigados. Para quê fazer melhor? E não fazem, excepto raras excepções.





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quarta-feira, agosto 06, 2003

Comentário publicado no Abrupto


Para encher o blog com alguma coisa, vou colocar aqui um comentário meu que foi publicado no Abrupto:
Sei que o timing para comentar este assunto já passou, mas gostaria de acrescentar algo sobre a questão dos exames de Matemática e Física. Em geral, os comentários são todos a culpar o sistema. Acho mais interessante analisar o que causou esse tal entorpecimento do sistema e o que não deixa que se modifique.
Mas aqui não há grupos de pressão, interesses das multinacionais, pelo menos directamente. Todos somos culpados, como se costuma dizer, mas talvez seja útil apontar o dedo a alguns deles: pais, intelectuais, programadores de televisão. Propositadamente deixei políticos e agentes de ensino de fora, porque as suas culpas e desculpas já são bem conhecidas.

Os pais, em geral, não demonstram qualquer interesse na educação dos filhos. Para eles a educação é apenas uma forma de conseguir um bom emprego, de atingir estatuto social ou talvez apenas uma forma gratuita de ocupar os filhos. O saber tem que ser utilitário, tem que servir para algo que dê dinheiro ou poder, é essa a visão geral. É comum um pai perguntar ao filho o que aprendeu na escola? Partilhar com eles conhecimento? Não, os pais não se interessam, os pais não acompanham diariamente os filhos, apenas querem ver notas, resultados, sucesso ou falhanço. São juizes, não são orientadores.

Depois culpo os intelectuais. Coloco-os entre itálico devido ao pouco respeito que tenho pela classe que em Portugal se costuma denominar assim. Por cá, intelectual é a figura que se deixa deslumbrar pelo poder, que comenta nos jornais e na TV, que fala com suposta autoridade. Como dizia um filósofo, há pessoas que só consegue convencer os ignorantes, e é assim que vejo os nossos intelectuais. E o meu pouco respeito deriva precisamente dessas pessoas serem, na sua quase totalidade, analfabetos em Física e Matemática. Estes intelectuais não sabem em que mundo vivem, não sabem o que é um electrão, o que diz o 2º princípio da termodinâmica, o que é a luz, o que é o princípio da incerteza e nem sabem pensar matematicamente – e tudo isto são coisas fundamentais, tão essenciais ao homem culto como saber a História do seu país ou dominar a língua materna. O baixo nível que atinge a pseudo - intelectualidade faz com que aos verdadeiros intelectuais lhes repugne o contacto com estas pessoas. Porque temos muitos bons investigadores em Portugal na área científica, mas estes preferem falar com quem lhes está à altura, os seus pares por cá e no estrangeiro. Por isso, os verdadeiros intelectuais normalmente estão escondidos do público, substituídos por medíocres sedentos de protagonismo.

Por último, os programadores de TV. Trata-se de um problema global. A linguagem televisiva actual privilegia o óbvio, a última novidade, mostra tudo rapidamente e pronto a consumir, sem necessidade de pensar. As maravilhas da ciência não se explicam desta forma. O pior é que muito dificilmente se explicam de qualquer forma. Existem muitos livros que fazem uma boa divulgação científica, mas aí já são os leitores que tomam iniciativa (quase sempre) e já estão dispostos a fazer um esforço para compreenderem. A TV como meio de divulgação científica quase não existe e quase nunca existiu. Desde os programas de Carl Sagan que não foram feitos outros que conseguissem entusiasmar tantas pessoas pelo mundo fora pela ciência. A verdade é que não é fácil falar de ciência para toda a gente com rigor e poesia, mas se não for assim não se consegue cativar.

Claro que o sistema está mal. Um simples exemplo: há uns anos atrás, numa livraria, abri um manual de Física do secundário. Li o prefácio e apenas em algumas linhas detectei uma meia dúzia de erros crassos. Assim é difícil aos alunos aprenderam alguma coisa.

Gostava de lançar um desafio que acho interessante. Eu tenho formação científica, como se pode ver pela minha escrita tosca e directa. Agora vou tentando me complementar procurando saber mais de artes, literatura, história, ciências sociais. Que tal as pessoas ligadas às letras, artes e ciências sociais procurarem saber mais de ciência? Não lhes faria mal nenhum e iriam descobrir muitas coisas interessantes. O conhecimento pode ser uno, se fizermos por isso. Seria o primeiro passo para muita coisa.





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domingo, agosto 03, 2003

Hábitos Romanos

Na Divina Comédia, de Dante, o poeta romano Virgílio serve de guia ao autor na sua visita ao Inferno e ao Purgatório. Como o poeta morreu antes do advento do cristianismo, estava automaticamente excluído do Paraíso. Mas as suas virtudes humanas foram reconhecidas, e foi colocado no círculo mais suave do Inferno, onde apenas se ouvem lamentos e longe das enormes e eternas provações de outros círculos. Mas Virgílio também poderia ser condenado ao Inferno por heresia já que organizou um funeral solene para uma mosca doméstica, onde nem faltou um mausoléu.
Não será isto de estranhar para um povo que criava pequenos ratinhos para os comer vivos, depois de untados com mel. Diziam que o melhor do petisco eram as cócegas que os pequenos animais faziam ao passarem pela garganta.
Outro hábito estranho estava na forma das mulheres branquearem o rosto, utilizando uma mistura de alvaiade, excrementos de crocodilo e resíduos de chumbo. Hábitos estranhos numa sociedade puritana, em que não era permitido às mulheres se despirem completamente frente aos seus maridos. Por outro lado, os homens testemunhavam, não utilizando a Bíblia, mas agarrando os testículos com a mão direita, sendo essa a origem da palavra testemunhar. Actualmente, Roma ainda alberga o estado mais puritano de todos, onde nunca nascem crianças - o Vaticano.

Algumas das curiosidades aqui apresentadas constam do "Almanaque do Incrível", que faz parte nº 64 da revista Super Interessante. Voltarei a Falar da Roma Antiga e do Império Romano, a propósito do imperialismo tão falado nestes dias.




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sexta-feira, agosto 01, 2003

O arco íris de 10 cores

Era eu muito novo e estava na escola primária. Durante um recreio formou-se um arco íris. Todos ficamos encantados e alguém revelou uma coisa surpreendente: «Eu tenho uma prima que vive em França e ela diz que lá o arco íris tem 10 cores.» Durante anos pensei que isso fosse verdade. Ingenuidade de criança, dirão, mas os adultos podem ser mais ingénuos que as crianças. Porque muitos adultos acreditam que:

- Tudo o que os jornalistas dizem é verdade;
- A astrologia é uma ciência exacta e a astronomia é para desequilibrados;
- As pessoas que aparecem nas revistas sociais são todas ricas e cultas;
- Vale e Azevedo é o único corrupto no mundo do futebol;
- Os problemas só se resolvem se não fizermos nada e criticarmos quem faz alguma coisa;
- O amor é eterno e a fidelidade faz parte da natureza humana;
- As pessoas inteligentes são aquelas que dizem coisas que não entendemos e os honestos aqueles que dizem o que queremos ouvir;
- O álcool torna as pessoas mais interessantes e os livros mais chatas;
- A música de qualidade é aquela que fica no ouvido à primeira vez;
- Só os outros são maus condutores;
- A poesia tem que rimar sempre;
- Os povos a sul de Portugal são mais atrasados que nós e os que vivem a norte são mais avançados;
- As pessoas que nunca mudam de ideias têm muito valor;
- As pessoas que terminam as frases com etc. poderiam ainda acrescentar muito mais só que etc.




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