quinta-feira, novembro 27, 2003

Serviço público (3)


Aqui fica a segunda parte do artigo de F. Neves Pereira, publicado na Illustração Portugueza em 1906.


Como vive e de que vive o lavrador do Minho (2ª parte)



Uma familia de lavradores minhôtos que, não satisfeita com as dadivas generosas da terra: pão, batatas, hortaliça, frueta e lenha, gasta em alimentação, vestuário e demais necessidades da vida para cima de dez tostões por mez, ou é rica ou está perdida!

Parecendo á primeira vista impossível que tão insignificante quantia possa chegar ao custeio de uma casa, verifica-se, em face de um ligeiro orçamento, que ella é suficiente e não é mesmo attingida as mais das vezes.

O exíguo orçamento de um casal de lavradores no Baixo-Minho póde resumir-se, para as primeiras necessidades, a quatro verbas únicas e modestíssimas:

Azeite………… 240 réis
Sardinhas……. 100 »
Sal……………. 20 »
Sabão………… 60 »

Ou um total de 420 réis!

Ficam de fora as despezas de vestuário. Uma andaina de roupa para homem, que póde custar aproximadamente 8$000 réis, dura entre 5 a 10 annos. Quasi sempre descalço, o lavrador não chega a romper por anno um par de tamancos. O chapéu, que custa entre seis a dez tostões, serve apenas nos dias de feira ou de romaria. No serviço, o lavrador usa a carapuça de lã no Inverno e o chapéu de palha, de vintém, no verão.

A parte o ouro que compram com as economias do casal e que, como o gado, é considerado fortuna commum, as mulheres gastam ainda menos que os homens! Duas saias de chita clara, dois aventaes com barras de velludilho, um colete de riscado cós de rosa com guarnições de fitilho preto, um lenço farto para o seio e mais dois para a cabeça, são objectos que as mais pobres adquirem apenas duas vezes na vida: quando noivas e quando, mais tarde, casam o primeiro filho! As mais abastadas compram de dez em dez annos uma saia de baeta crepe, de anno a anno um lenço de seda, de dois em dois annos umas chinellas de verniz. São as pródigas.

Roupa branca, lencóes, toalhas e ainda as calças de uso dos homens sahem do linho, da estopa ou dos tomentos da teia fiada em casa. Em noites de luar, as mulheres fazem o seu serão á porta, economisando a luz.

A própria doença parece respeitar esse culto sagrado da economia dos lavradores do Minho. Mata-os a velhice. Quando entram na agonia, a família manda chamar o padre para os confessar e ungir. Depois do padre vem então o medico, que raro receita e as mais das vezes chega a tempo de verificar o óbito.

E assim morrem economicamente, como economicamente nasceram e viveram…




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quarta-feira, novembro 26, 2003

A minha primeira inimiga


Ter um blog já serviu para criar uma inimiga. Tudo teve origem em “pequenas provocações” minhas, em que me lembrei enviar alguns dos meus posts politicamente incorrectos a algumas (poucas) bloggers, cujos blogs me tinham chamado a atenção.

Sónia Lemos não achou piada nenhuma a isso. Divulga no seu blog que acha que sou um palhaço, que escreve umas aldrabices para enganar umas mulheres (pescar alguma), e depois lhes envia mails. Talvez em parte tenha razão. Se sou palhaço, direi que tem dias. Se escrevo textos cabotinos (impostores, exibicionistas, hipócritas, presunçosos), cabe aos poucos leitores avaliarem. No que Sónia Lemos acertou em cheio foi na minha intenção de “pescar alguma”. Não que o blog sirva para isso (há meios bastante mais rápidos, fáceis e eficazes), e basta dar uma olhadela rápida para os posts para constatar que não têm qualquer sentido de engate.

Mas é certo que o meu envio dos mail “incorrectos” tinha intenção de pescar reacções, isso é inegável. E neste caso eram reacções femininas que queria. Uma das intenções de ter um blog é comunicar, e não excluo as mulheres, tal como anteriormente provoquei outros bloggers sem os insultar. E mesmo antes deste episódio já trocava alguns mails com algumas bloggers, em que sempre fui respeitador e nenhuma me pode acusar de ter tentado engatá-la. E se o tentasse fazer, que saiba não constitui nenhum crime.

Imagino que o tempo de antena que Sónia Lemos me dá no seu blog sirva para alertar do perigo que constituo para outras mulheres. Como não conheço Sónia Lemos, não posso dissertar sobre as razões que a levaram a ser tão peremptória. Obviamente que as pessoas que estão cheias de certezas preferem cortar um braço a ter de mudar de ideias.

Toda a (muito perigosa) troca de mails encontra-se no Bem me quer. Apesar de ser uma divulgação pública de uma troca de mails privados, sem que me tenha sido pedida autorização (e que se o fosse seria dada, naturalmente), reconheço que está publicada tal como ocorreu, sem qualquer adulteração.

Não me posso queixar de nada, porque fui o originador das provocações e, como tal, há que estar preparado para as reacções...





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terça-feira, novembro 25, 2003

Serviço público (2)


Illustração Portugueza foi uma revista semanal lançada pelo Jornal O Século há cerca de 100 anos atrás. Transcrevo aqui, em duas partes, um artigo publicado nesta revista datado de 1906, por F. Neves Pereira, que relata a vida dos minhotos. É uma vida dura mas que talvez não difira muito daquela que se tinha há umas poucas décadas atrás fora das cidades.


Como vive e de que vive o lavrador do Minho (1ª parte)



O alimento d’este casal de noivos pobres reduz-se a pouco mais do que a caldo e pão. O homem que trabalha da aurora até à noite, a mulher que o acompanha na sua lida incessante, comem menos do que as creanças da cidade. E attentae na mulher. Se a gravidez a não deformou já, é uma mocetona corada e jovial, de larga bacia fecunda, de aflantes seios, de roliços braços de trabalhadora e de amorosa. O homem é musculoso e rijo. Ambos cantam emquanto sacham. Nenhuma tristeza perturba esse casal pacifico e laborioso. Gosam amplamente as duas saúdes humanas: a moral e a physica, de cuja união resultam as felicidades perfeitas. O trabalho é o seu regímen moral. Vae ver-se em que consiste o seu regímen alimentar, base da saude do corpo.

O caldo d’estes trabalhadores infatigáveis reduz-se a algumas couves gallegas, apanhadas na horta, a alguns feijões – poucos, porque são caros – e um magro fio de azeite como adubo. O pão é de milho e centeio, cozido em grandes fornadas de dois ou três alqueires… para durar, tornar-se rijo e render mais! O cozer pão a miúdo é prejudicial á economia. Come-se mais emquanto é fresco e quantas mais vezes se acende o forno mais lenha se consome! Raras, muito raras vezes, á merenda, comem os lavradores, como presigo, uma sardinha. De longe a longe, quando o sardinheiro as vende a mais de 5 ao vintém, a mulher aventura-se a gastar dez réis n’esse luxo superfluo! Quando se diga que um quartilho de azeite, que nas aldeias do Minho póde custar seis ou sete vinténs, dura a um casal pobre de 15 dias a um mez, ter-se-ia completado o quadro impressionador da espantosa economia minhota.

Annos há, porém, em que o pão escasseia, a arca se esgota, e o preço do alqueire de milho sobe, como há quatro annos, acima de oito tostões. Então o lavrador passa a comer pão de centeio e semeia batatas para substituir o thesouro alimentar da boroa de milho. Á salgadeira – os que a teem – vão apenas pelas festas do anno: o Entrudo, a Paschoa e o Natal, ou em dias de trabalho extraordinário, quando não podem de todo em todo, sósinhos, grangear as terras, e rogam o auxilio dos visinhos, que vêem ajudar, só pela mantença.





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segunda-feira, novembro 24, 2003

Marx bebendo Coca-Cola


O Ministério do Bom Senso publicou uma citação curiosa, atribuída a um anarquista anónimo do século passado:

Nem Marx nem Coca-Cola.

Este poderia ser o lema para muitos, neste início de século, em que o marxismo tem cada vez menos adeptos mas o desagrado pelo capitalismo também cresce. Falam de um mundo diferente, criar uma alternativa. As utopias renascem…

Mas quem estaria totalmente de acordo com esta citação seria Salazar. Tanto reprimiu o marxismo como nunca permitiu a Coca-Cola. Os que querem ser muito originais e inovadores acabam muitas vezes por cometer os mesmos erros de sempre.





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domingo, novembro 23, 2003

A era da arrogância (3)


Todas as eras são de arrogância porque esta é uma característica humana que não é possível extinguir mas, talvez, apenas prevenir. O tempo actual não escapa, mas é sempre mais fácil pela perspectiva temporal identificar as arrogâncias e fanfarronices passadas do que as nossas. O meu palpite é de esta ser uma época da arrogância moral não definida ou espartilhada.

Actualmente não há uma moral dominante nas sociedades laicas contemporâneas. Antigos valores estão esquecidos, mal compreendidos ou mal aplicados. Este vácuo deixa, no entanto, uma liberdade para cada um para criar os seus próprios valores, tal como Nietzsche preconizava para o super-homem. Mas tal não acontece, porque se anteriormente cada indivíduo era quase obrigado a adoptar a moral vigente, hoje em dia é fortemente encorajado a adoptar uma das que estão à disposição. Mas nunca a criar a sua moral, ética ou sistema de valores.

Quase que se pode dizer que se vendem morais. Vendem-nas os partidos, especialmente os mais à esquerda ou à direita. Vendem-nas os sindicatos, os grupos ecologistas, os movimentos sociais organizados tanto revolucionários como conservadores. Não as vendem a troco de dinheiro mas em troco do acreditar, do tomar partido, do obedecer. São morais que parecem não sobreviver por si sós, que necessitam da expansão permanente ou pelo menos da renovação dos indivíduos. Mas Zaratrusta dizia que só quem o renegava era seu autêntico seguidor, aqui temos o oposto, a necessidade de seguidores. Ter uma moral é um engrandecimento da pessoa que antes deambulava perdida. A pessoa retribui com lealdade. E daqui nasce a arrogância face ao exterior.

Mas estas são as arrogâncias exteriores. Também temos as interiores. Com a morte do cristianismo abriu-se a liberdade para novas procuras espirituais. É certo que o Portugal católico sempre conviveu com todo o tipo de crendices populares, mas tudo se passava de forma complementar. Agora há a redescoberta da procura interior, começando pelos próprios místicos cristãos da antiguidade e os templários. Toma-se contacto com os antigos inimigos, com o judaísmo e o islamismo. Abrem-se as consciências a novas religiões e filosofias – sufismo, budismo, tauismo, zen, yoga, hinduísmo. Procura-se também a salvação em esoterismos ou nos livros de Paulo Coelho.

A nova vaga de espiritualidade no ocidente não é na sua essência arrogante. Mas o ocidental vê muitas vezes a sua aproximação ao mundo espiritual como uma ida ao supermercado, em que escolhe hoje isto por ser o mais vistoso e, se não gostar, amanhã volta e leva outra coisa qualquer. Por vezes entrega-se sinceramente, mas não tem uma orientação capaz. E há os que seguem firmemente, mais confiantes, sentindo-se superiores. Mas nada há de mais perverso que nos acharmos superiores. Em que todas os nossos actos são possíveis de justificar através das faltas dos outros. E facilmente se dissimula o neo-sábio, com um sorriso de desprezo paternalista e retórica universalista bem expressiva.

Não há nada melhor que sentirmo-nos inseguros e ver que estávamos errados. Se face à nossa arrogância nos sentimos desprezíveis, então, ainda há alguma esperança.





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sábado, novembro 22, 2003

Arrumando a casa


Foi actualizada a lista de blogs, com uma nova disposição. A destacar a enorme secção feminina.





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quarta-feira, novembro 19, 2003

A era da arrogância (2)


TÃO PREVISÍVEIS…

As previsões de crescimento da economia portuguesa avançadas pelo Banco de Portugal foram revistas em baixa. Os especialistas dizem que em grande parte isso se deve a factores externos ao próprio país. De forma previsível, a oposição aproveitou para culpar o governo, de forma básica e primária, numa arrogância do género: “Nós tínhamos avisado mas eles não fizeram caso.” Por seu lado, o governo culpa a conjuntura e a herança herdada.

Tivessem sido as previsões revistas em alta, seria a vez do governo de se arrogar como o grande responsável pelo do sucesso, esquecendo também os factores externos e a pesada herança, aproveitando para sugerir: “Estão a ver como a oposição nunca acerta?” Agora seria a vez da oposição argumentar que o sucesso obtido não tinha tido mérito algum do governo, mas apenas sido fruto de uma conjuntura favorável.

E ainda me perguntam porque nunca votei…





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terça-feira, novembro 18, 2003

A era da arrogância (1)


Vivemos num tempo em que a arrogância dá cartas. É talvez um sintoma de época, em que não só nos comparamos uns com os outros, mas também competimos com tempos passados e, por vezes, futuros. Nas mais diversas áreas repetem-se até à exaustão frases como:

Nunca na história da humanidade existiu um tão grande número de

Pessoas
Pobres
Ricos
Sub nutridos
Pessoas com excesso de peso
Automóveis
Auto-estradas
Parques de diversões
Elevadores
Arranha-céus
Campos de golfe
Revistas sociais
Fotógrafos amadores
Investigadores
Estúpidos
(…)

Talvez até seja verdade. Talvez esta seja uma época de rápidas mudanças e desenvolvimentos extraordinários e de conquistas até à pouco anos nem sonhadas. Mas para quê esta obsessão em nos destacarmos? O que é realmente grandioso não se põe em bicos de pés, muitas vezes nem se reconhecendo dessa forma. O grandioso é o que é reconhecido como tal de forma espontânea. O reconhecimento poderá apenas durar uns instantes ou então perdurar por séculos, mas terá que tocar algures na frágil alma humana.





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segunda-feira, novembro 17, 2003

Por caminhos politicamente incorrectos (6)


HOMO, HETERO & BI – SEXUALIDADES

Com tanta teria absurda sobre a sexualidade humana, em especial sobre a homossexualidade, espanta-me ainda não ter lido, visto, lido ou ouvido algum dos argumentos que constam nas teorias que irão aqui ser expostas. Saliento que são teorias bastante primárias e sem qualquer validade, além de que se anulam uma à outra.

Teoria I

O homossexual, como indivíduo que ama e se excita por outro indivíduo idêntico a ele, revela nesta sua faceta um profundo egocentrismo. Na verdade, o homossexual não ama a outra pessoa, que apenas utiliza como projecção carnal de si próprio. Na impossibilidade de efectivar o acto amoroso/sexual na plenitude consigo mesmo, o homossexual escolhe alguém à sua imagem, um seu outro eu. O homossexual rejeita o outro sexo por as diferenças que o distanciam de si serem a tal ponto que lhe impedem de fazer esta identificação.

O heterossexual, ao se entregar a um indivíduo diferente, demonstra assim a sua superioridade, pois se esquece de si próprio, tendo a coragem de enfrentar o desconhecido. O heterossexual, ao fazer esta dádiva a outrem que não ele, revela o seu espírito altruísta, procurando a complementaridade e a harmonia, o que o torna verdadeiramente humano.

O bissexual oscila entre estes dois extremos, dando a conhecer assim a sua natureza esquizofrénica. Na realidade, o bissexual não é nem uma coisa nem outra, e tão pouco se fica pelo meio caminho. Porque o bissexual nem é capaz de se amar a si ou a outrem, o que o torna doente, tentando procurar a cura na imitação estéril dos modelos que têm disponíveis.

Teoria II

O heterossexual, amando o que é diferente de si, mostra que é fraco e com falta de amor-próprio. Isto parte da falta de confiança em si próprio, que o leva a procurar no diferente e no exterior o que pensa que não há em si. Amando o que é diferente, o heterossexual despreza o seu próprio ser, mas também o amado, que essencialmente não passa de uma figura terapêutica.

Por sua vez, o homossexual, amando o que é idêntico a si, afirma o seu amor-próprio e confiança nas suas virtualidades. Revela ainda a coragem que falta ao heterossexual, pois escolhe caminhar ao lado de “si mesmo”, desistindo da ilusória busca exterior a si.

O bissexual superiorizasse ainda ao homossexual, porque não só tem o seu amor-próprio e confiança, mas ainda a abertura de renegar as suas próprias certezas. Só o bissexual é capaz do verdadeiro amor universal, que começa em si próprio e se estende a todas as coisas, sendo o único realmente saudável.

E o Óscar vai para…

Como vêem, é fácil e rápido inventar teorias como estas e, com algum jeito, fazer alguns tolos acreditar nelas. Mais curioso seria fazer uma experiência em que, em vez das duas teorias serem apresentadas pela mesma pessoa, fossem expostas por pessoas diferentes que as defendessem acerrimamente, tentando diminuir ao mesmo tempo a teoria contrária. Com algum marketing, seria possível animar as hostes das nossas comunidades pseudo-intelectuais sempre ansiosas por disputas fúteis, e criar dois campos fortemente polarizados e antagónicos.

Quantas teorias absurdas como estas não terão nascido da especulação gratuita de indivíduos ociosos mas, por razões meio obscuras, terão tido um sucesso inusitado? Quanto mais o indivíduo pensar mais probabilidade terá de se enganar a si próprio. Pensar ou não pensar, será esta a questão?





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domingo, novembro 16, 2003

Kyoto, as Cruzadas e a hipocrisia


Kyoto, antiga capital japonesa, é uma das cidades mais belas do mundo. Os templos dourado e prateado e ainda o famoso jardim zen Ryoan-ji, são alguns dos seus locais emblemáticos. Para além destes ícones, Kyoto foge do estereótipo que se tem do Japão moderno. É uma cidade calma, de preços idênticos aos nossos, imensamente limpa e em que está patente por todo lado o imenso respeito pela natureza, numa procura pela beleza e harmonia, a que talvez não seja alheio o facto de praticamente não existirem turistas ocidentais. Por cá, Kyoto é apenas um nome de um protocolo que visa, sobretudo, a redução dos gases que provocam o efeito de estufa. Ao contrário de todos os países da comunidade europeia, a actual administração dos EUA anunciou que não iria cumprir o protocolo.

Em 1453 os turcos tomam Constantinopla, então capital do Império Romano do Oriente. Este império manteve-se onze séculos ainda após a queda de Império Romano do Ocidente, e tinha o cristianismo como religião oficial. O papa vigente pede aos reis católicos que se juntem para uma segunda vaga de Cruzadas para fazer frente a esta invasão. Em Portugal reinava D. Afonso V, um rei ingénuo, que se prontificou a enviar uma força com milhares de soldados. Aconselharam-no que esperasse, que não fosse o primeiro, porque todos os outros reis também tinham prometido entrar na nova cruzada. A hipocrisia europeia revelou-se, e ninguém cumpriu.

O Protocolo de Kyoto estipula uma redução mundial de 5,2% dos gases nocivos, especialmente de CO2, no período de 2008-2012 baseado nos níveis registrados em 1990. A União Europeia (UE) tem sido a principal dinamizadora do processo, tendo os seus 15 membros já ratificado o tratado. Mas para que o protocolo entre em vigor é necessário um grupo de países que somados dêem 55% das emissões de 1990, o que até agora não foi possível. A UE tenta convencer a Rússia a ratificar, o que já daria para ultrapassar o limiar mínimo. E assim a UE marcaria pontos, lideraria o processo de protecção ambiental. Mas não se esqueçam da hipocrisia…

O anúncio do presidente Bush em não cumprir o protocolo de Kyoto foi chocante para muitos. Os EUA são os maiores poluidores mundiais e as suas emissões de gases espalham-se numa atmosfera que sempre foi global. As notícias do financiamento da campanha de Bush por empresas como a Exon, a Esso e a Shell parece completar o quadro. Mas os EUA também alegam que o esforço que teriam que fazer se ratificassem o protocolo seria muito superior a qualquer outro país, incluindo os da UE, o que iria prejudicar bastante a sua economia. Além disso, alegam falhas no protocolo, começando pelas bases científicas, porque as alterações climáticas são o que há de mais difícil de prever. Por outro lado, referem a Índia e a China que estão de fora. Estes países não eram grandes poluidores em 1990, mas estão em vias de se tornar nos maiores. Poderiam ainda alegar que a queda da economia americana iria também arrastar outras economias, e as europeias não iriam escapar.

A posição da administração Bush acaba por ser coerente. Num programa de humor americano eles falavam no valor que prezavam acima de tudo: O dinheiro. Choca-nos esta visão, mas até pode ser mais saudável do que parece. Eles defendem a suas empresas, negócios e interesses acima de tudo. E fazem-no abertamente, e assim também os podemos criticar abertamente. A Europa aparentemente só faz algo motivada por grandes princípios e ideais. Mas esta visão purista esconde muito hipocrisia e inveja. Mas nós já temos uma grande tradição cristã de “invocar o nome de Deus em vão”. Pessoalmente, acredito que o protocolo de Kyoto só será cumprido nos países onde há uma forte consciência ambiental, que são bem poucos. Mas tudo vale como arma de arremesso nesta nova cruzada invisível. Todas as grandes catástrofes não naturais que a humanidade se defrontou sempre foram anunciadas, mas nenhuma foi evitada.


“Intelligent we may be, but as social collectives we behave churlishly and with ignorance.”

James Lovelock




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sexta-feira, novembro 14, 2003

Por caminhos politicamente incorrectos (5)


A RAZÃO DA TRISTEZA NOS HOMENS

Por trás de um homem triste
Há sempre uma mulher feliz
E atrás dessa mulher
Mil homens, sempre tão gentis
Por isso, para o seu bem
Ou tire ela da cabeça
Ou mereça a moça que você tem

Excerto de Deixe a menina
Chico Buarque 1980





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quinta-feira, novembro 13, 2003

Por caminhos politicamente incorrectos (4)


TEMOS O GOVERNO QUE MERECEMOS?

Costuma-se dizer que cada povo tem os políticos que merece. Para sustentar isto, dão-se exemplos simplistas: Os americanos idiotas têm o idiota do Bush; os arrogantes franceses o arrogante Miterrand; os italianos aldrabões o Berlusconi; os povos ignorantes de terceiro mundo governam-se com ditaduras brutais e corruptas, etc.

É uma visão simplista que tem a vantagem de catalogar tudo de forma rápida, fácil e definitiva. E com algum jeito ainda se dá o ar de perceber muito do que se fala. Sendo este um post incorrecto, permitam-me que seja também simplista, duro e implacável.

Teremos nós portugueses, actualmente, o governo que merecemos? Eu digo que não, mas até recentemente tivemos um governo socialista que era a imagem dos portugueses em muitos aspectos. Tratava-se de um governo fraco, sem rumo, de falas mansas. Um governo que gastava o que tinha e o que não tinha, nunca assumindo as suas responsabilidades e culpando sempre algo exterior para esconder os seus erros. Um governo cobarde, de ideologia “Quanto menos me mexer melhor”.

Os portugueses não merecem este novo governo, que os supera em muito. Este governo tem um rumo, uma ideia para o país (que até pode estar errada). Não tem medo das críticas, tem coragem para mudar, trabalha, e não diz apenas as coisas bonitas e estéreis que todos querem ouvir.

Na verdade, o que os portugueses mereciam deste governo já não lá está – os ministros que se demitiram! O que tinham das contas escondidas, os das cunhas. Estes sim, são à imagem dos portugueses. Também o ministério da cultura faz parte deste leque – não existiu até aqui, mas até este nos desilude porque já se anunciaram maiores investimentos nesta área no próximo orçamento de estado.

Este governo não pode ganhar as próximas eleições. Corre-se o risco de Portugal perder a sua entidade. Quem quer isso? Estávamos tão bem no nosso canto aconchegados às nossas ilusões…





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quarta-feira, novembro 12, 2003

Militares portugueses no Iraque


Este post é uma excepção porque falo de algo muito actual. Finalmente os soldados da GNR vão para o Iraque. A zona em questão parecia ser relativamente pacífica, até estes atentados recentes. Mesmo sabendo que todos são voluntários e que vários já estiverem recentemente em outros cenários de risco, a sua ida é algo que me deixa apreensivo.

Mas esta apreensão não é partilhada por todos. Já vi várias pessoas expressarem o desejo de que nenhum destes soldados volte vivo. E não eram coisas ditas da boca para fora por algum bronco. Eram pessoas cultas e inteligentes. Aparentemente, o ódio aos americanos e as certezas absolutas justificam tudo.

Não estamos sós, e em muitos países, soldados partem para um cenário de inegável risco. Os japoneses também vão para o Iraque, sendo a primeira intervenção militar que fazem depois da segunda guerra mundial em territórios que não os seus. Nessas alturas utilizam uma bandeira diferente.

Apesar de ter posições bem definidas sobre estes assuntos, tento me conter para não expor aqui. Acho incrível a ligeireza com que se defendem as convicções acima de tudo e contra todos, desprezando as vidas humanas que estão por trás.





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segunda-feira, novembro 10, 2003

Livros & leituras (2) - Anoitecer – Isaac Asimov, Robert Silverberg


Provavelmente, para ser bloguisticamente correcto, deveria ter colocado o título do livro no seu original em inglês (Nightfall). Mas o facto é que o li em português, numa publicação da Europa-América, na sua colecção Nébula. Já tendo lido várias coisas de Asimov, quase me esqueço do outro co-autor, até porque a base é um conto de 1941 que Asimov escreveu para uma revista de ficção científica.
Somos transportados para um planeta que tem seis sóis. Pode dizer-se que os seus habitantes são em tudo idênticos aos humanos, mas por de terem sempre pelo menos um sol no horizonte não sabem o que é a escuridão natural. E a escuridão artificial, numa gruta p.e., mesmo que por breves momentos, é-lhes bastante desconfortável. Se for por momentos mais longos poderá ser tão traumática que leve as pessoas à loucura ou até à morte.

Mas aqui a ficção é de facto a mais científica possível, sem perder inteligibilidade para o leitor médio. Os acontecimentos são descritos na óptica de cientistas – Astrónomos, psicólogos, arqueólogos. O grande acontecimento é o anoitecer, que só se verifica de 2000 em 2000 anos. A história desenrola-se focando-se em personagens chave que, de alguma forma, acabam por simbolizar os pensamentos e acções preponderantes de toda a sociedade. Para além dos cientistas, há os jornalistas e os fanáticos religiosos. Os políticos são quase totalmente ignorados, comos se face a uma catástrofe não tivessem relevância. Por fim, os movimentos das massas, imparáveis. No fundo, o que se retrata é a forma como a humanidade reage face a uma catástrofe anunciada.

Tal como Júlio Verne, os contos de Asimov não se baseiam apenas em acontecimentos fantásticos. Existe uma grande ênfase no carácter das pessoas, mesmo que neste caso não hajam heróis. Os contos de Asimov são bastante lógicos e inteligentes, sem perderem emotividade e o efeito de surpresa. Nas entrelinhas, Asimov parece querer dizer que mais ninguém tem (tinha) inteligência e talento suficiente para escrever como ele. Esta arrogância passa despercebida em Portugal, onde é um ilustre desconhecido. Mas a profundidade dos seus livros ultrapassa em muito aquilo que escreveram muitos autores que os nossos intelectuais elevam aos céus. A versão portuguesa tem bastantes gralhas, o que mostra a pouca importância que a editora confere a este género, mesmo sendo uma das poucas a divulgá-lo.

O livro não acaba de uma forma particularmente entusiasmante. Não existe um final tipo Hollywood, com uma sucessão de actos impossíveis culminando num clímax. Mas penso que o final é realista, duro e que nos faz olhar para nós mesmos. Este livro é uma reflexão, um estímulo e também diversão. É preciso mais?





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domingo, novembro 09, 2003

Jornalismo e corrupção moral


Quando fico algum tempo sem ver os telejornais, por vezes semanas, sinto-me imensamente agredido pelo espectáculo que se me depara novamente. Com alma re-virginada, o telejornal parece-me um produto que tem apenas uma lógica: A agressão.

Agressão ao português, ao bom gosto, à lógica elementar, à verdade, à decência, ao comedimento, ao humor, à vida…

Nos jornais e rádios de referência o nível é superior, por vezes com muito boa qualidade. Mas ainda assim, sinto-me agredido. As primeiras páginas e os colunistas (que devem adorar ser chamados de formadores ou líderes de opinião) vestem-se de vistas curtas, procuram o efeito rápido, a jogada de influência e de poder. Actualmente, considero os blogs a melhor fonte de informação disponível, e talvez a única.

Surpreendente, ou talvez não, foi os portugueses terem dito numa sondagem recente que consideram os jornalistas uma das classes profissionais de maior prestígio (mais merecedores de confiança, rigorosos, verdadeiros…). Face àquilo que nos mostram todos os dias, o natural é estarem no fundo da lista e não à cabeça. Se bem que parte deste reconhecimento se deve à promoção que os jornalistas fazem a si próprios em permanência, utilizando a vitimização e o silenciar dos críticos de forma bem consciente, não acredito que os portugueses se deixem enganar assim tão facilmente. Falta algo e é aqui que entra a corrupção moral.

O exercício do poder por parte da comunicação social vem tornando-se óbvio nos últimos anos em Portugal. Com a concentração dos orgãos de comunicação social em grandes grupos, o pequeno mercado disponível “exige” que o jornalista tenha não só poder de influência mas que seja ele a liderar a agenda dos acontecimentos. E é o único que manda sem ser contestado. Mas em última análise, só o pode fazer por que há um público para isso.

E aqui não se pode culpar o povo ignorante e ingénuo. Não há inocentes nem acredito na ingenuidade. A corrupção moral dá-se quando o jornalista faz com que a pessoa acredite que também tem o mesmo poder que ele, que o partilha. Habilmente, o jornalista não fala em nome de si, fala em nome do povo. Se ele questiona, não por si, é pelos portugueses. Se ele pressiona, vai atrás, chateia, invade a privacidade, é desculpado, é o público que o exige. Na realidade, é o jornalista que decide (aqui o jornalista poderá nem ser o que escreve ou lê a notícia), a vontade é a dele, bem como o interesse. O público não o começou por exigir, mas a vergonha de ter sido corrompido faz esquecer que a corrupção aconteceu.

Mas o poder do jornalista é ilusório, e ele sabe disso. Sabe os podres dos poderosos, sabe os que traíram os amigos, o partido – mas não pode fazer nada contra eles, estão cobertos. Passa a odiar os poderosos. Odeia-se a si mesmo, sabe que destruiu a vida a inocentes. Depois passa a odiar todas as pessoas, que aceitam tudo passivamente. E o jornalista irá acabar por descobrir que por se ter vendido ao poder, o poder passou a mandar nele.





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quinta-feira, novembro 06, 2003

A ascensão e queda de uma pequena coisa


Agradecimentos ao DESCREDITO!, ao Kafkiano e ao Mel de Lama.


São blogs que não conhecia (e que irei analisar mais detalhadamente quando tiver alguma disponibilidade) mas que tiveram a gentileza de propagar esta palavra que aqui se espelha. O DESCREDITO! coloca este blog  na lista de blogs da Direita. Fiquei surpreendido. Não que me sinta mal acompanhado, mas faço um esforço para não comentar aqui factos políticos. Por outro lado, sinto-me tão longe (e não tão perto) da direita como da esquerda.




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Serviço público (1)


FAÇA COMO A AVESTRUZ

Não há debate entre políticos em que não entre a frase: «Oh so’ tôr, não faça como a avestruz, que enterra a cabeça na areia!» Apesar de poucos acreditarem nos políticos, quase ninguém dúvida que a avestruz coloque a cabeça na areia. Mas que sentido tem isto? Nenhum. Trata-se de mais um item do dicionário de falsas crenças. É também um sinal de que se aceita tudo muito passivamente (os que protestam são por vezes os mais passivos…), sem questionar e sem pensar um pouco, porque é sempre uma boa muleta dizer uma frase “correcta” e ganhar alguma vantagem num debate de “ideias”.

A avestruz tem no mundo seu ambiente natural um comportamento que deu a origem a esta crença. As avestruzes, especialmente os jovens, na aproximação de um predador esticam o pescoço da direcção do solo. É muito provável que este comportamento se manteve por constituir uma vantagem evolutiva. Porque ao esticar o pescoço para baixo a avestruz cria uma camuflagem, sendo à distância confundida com um pequeno monte ou com um arbusto, o que seria impossível com o pescoço levantado. Mas se o predador se aproxima muito, a ave sai correndo velozmente (até 65 km/h).

Imaginemos uma avestruz na savana africana. Se a avestruz enterrasse a cabeça na areia, como o faria? Iria escavar um buraco no momento de ser atacada? Iria perder tempo e ser rapidamente capturada, e a espécie não chegaria até aos nossos dias. Outra possibilidade para salvar a teoria seria a avestruz procurar um buraco por onde colocar a cabeça. Mas não existe um buraco sempre disponível, e colocar uma zona frágil como a cabeça num buraco que pode estar habitado por uma serpente venenosa também não aumenta as possibilidades de sobrevivência.

A avestruz não é cobarde, como muitos sugerem. Se não conseguir escapar ao predador pela camuflagem ou pela fuga, então enfrenta-o directamente, usando o seu forte pontapé, que consta em certos relatos já ter matado leões. O facto da Avestruz ter chegado até aos nossos dias sobrevivendo num meio difícil é a prova das suas capacidades e não da sua estupidez ou cobardia. Então, siga o exemplo da avestruz! Faça tudo para evitar o conflito, mas se isso for impossível, seja o mais decidido possível.





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domingo, novembro 02, 2003

Desconfianças pessoais


É frequente se reclamar das promessas não cumpridas que os políticos fazem. Esta desconfiança é curiosa, nem que fosse por ninguém conhecer os programas eleitorais dos partidos, mas apenas umas quantas tiradas mostradas nos órgãos de comunicação sociais. Mas mais intrigante é haver uma (pretensa) exigência tão grande com os políticos quando não a temos com nós próprios – mas nada do que possa dizer desculpa as faltas dos políticos.

Aproximam-se tempos complicados, em que os portugueses vão ter que mostrar o que valem. O pessimismo reina, não acreditamos em nós, não confiamos nas nossas capacidades. Talvez uma forma de inverter isto seja começar por não darmos motivos para sermos desconfiados da nossa pessoa. Porque é difícil de ser optimista e ter confiança quando sabemos que não levamos nada a sério e que nunca pomos em prática os planos que realizamos.

Temos que cumprir o que prometemos a nós mesmos, começando pelas pequenas coisas. Se digo que vou pendurar aquele quadro na parede, então faço-o o mais breve possível e não vou arranjar desculpas para não o fazer, ou então fazê-lo mais tarde ou de outra forma. Não podemos esperar que nos venha uma vontade enorme para pormos mãos ao trabalho. Não há que hesitar, é fazer e a satisfação vem por acréscimo. Precisamos todos de acordar. Só nos faria bem.





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